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Kesi Medeiros (história de um colega)

Posted by epifabiconia em abril 25, 2008

O BANCO MAIS EXTREMO

 

Quando o assunto é cidade com muitas opções de lazer, Torres não é um bom exemplo. Pode até ser uma praia muito bonita, com suas falésias e suas trilhas, mas, à noite, o roteiro é único: caminhar pelo calçadão no centro.

Eu, minha irmã e minha prima Camila – Ah! Camila… Camila e seus cabelos… – repetíamos esse programa há uma semana. No centro, o grupinho de roqueiros bebia vinho ao lado da barraquinha de algodão doce; o carro vermelho mal estacionado continuava a tocar a “Dança da motinha”; e as mesmas meninas, com suas saias curtas, riam e rebolavam para quem passasse ao lado.

Entediado de desfilar, sugeri à Camila e à minha irmã que entrássemos em um mini-parquinho de diversões no fim da rua. Havia lá uma pista de carro-choque; uma centopéia que dava voltas em torno de uma flor gigante; um carrossel sem música; alguns jogos de azar e uma carrocinha de pipoca, cujo vendedor era também o responsável pelos ingressos dos brinquedos. Ao fundo, quase sem iluminação, estava o barco-viking, o brinquedo mais emocionante do parque e que parecia ser a nossa esperança de diversão naquela noite.

Minha irmã sentou-se no banco central do brinquedo, e Camila, do lado dela. Pensei em me acomodar junto a elas, o medo podia fazer com que Camila segurasse minha mão, mas como eu sabia que não passaria disso, optei pela adrenalina de sentar-me no banco mais extremo, que atinge maior altitude com a movimentação do barco.

Enquanto um rapaz fechava a trava de segurança dos bancos, chamei-as para me exibir: “Vocês são muito sem graça! Irado é ir bem alto, quase virando de cabeça para baixo”. Mal o sujeito fechou minha trava, o motor do barco começou a funcionar.

O movimento era lento, e o ângulo de inclinação do barco aumentava sem pressa. Eu ansiava por um balanço mais acentuado e admirava os cabelos loiros e compridos que cobriam as costas de Camila. Foi quando pus as mãos sobre o ferro que prendia minha barriga e ele se moveu para frente, deixando-me completamente solto. Senti o primeiro frio no estômago. Eu estava sem segurança em um brinquedo arriscado de um parque precário.

Tentava, com todas as minhas forças, puxar a trava em minha direção novamente, mas ela não se movia um milímetro sequer. Pensei em gritar para que o brinquedo fosse desligado, mas Camila pensaria que eu era um medroso, então me segurava o mais firme possível. O barulho do motor velho era a trilha sonora do meu temor. Forte e intenso.

Os cabelos de Camila já não escorriam sob suas costas, se balançavam cada vez mais rápidos e violentos. Eu implorava em silêncio para que ela não olhasse para trás e visse meu rosto apavorado, provavelmente vermelho de tanta força e suado de tanto medo. Ela também se segurava firme, mas eu era capaz de ouvir suas risadas de diversão.

Rir era o que restava. Eu ria um riso nervoso e sem som. Eu sentia meus pés chutarem o chão de tanto que tremiam. A velocidade do barco parecia aumentar com o meu desespero, e o frio na barriga se revezava com arrepios de pavor. Quando percebi que a força que eu fazia não era mais suficiente para me manter no banco, vi a morte sentar-se ao meu lado. Ela sorria para mim, assistindo meu desespero, com gozo. Aquela era minha hora. Comecei a rezar, lembrar da minha família, dos momentos da infância e de tudo mais. Eu estava vivendo um pesadelo e tudo o que eu queria era acordar.

A cada descida, eu me erguia cada vez mais longe do assento, o que evidenciava minha futura queda. “Menino morre ao cair de um brinquedo no parque de diversões”, previ a manchete no jornal do dia seguinte. Não! Esse não poderia ser meu fim, não era justo. Eu ainda tinha muito o que fazer em vida. Camila! Meus Deus! Eu ainda preciso dizer à ela o que sinto!

Fechei os olhos e comprimi mais ainda minhas mãos na trava. Segundos depois, quando os abri, não acreditei no que via. Os cabelos, agora embaraçados, de Camila diminuíam seus movimentos. O som do motor já não era tão agudo. O brinquedo estava parando. Inacreditável! Eu estou vivo! Acomodado no banco do barco, que quase não se movia, olhei minhas mãos vermelhas e limpei o suor do rosto com a camiseta – refletindo que aquela havia sido a maior emoção das minhas férias, ou melhor, da minha vida.

Mas, ao voltar para casa, Camila me surpreendeu. Ela não disse que também gostava de mim, quando contei a ela o que sentia. Ela também não me deu o beijo que pedi. Mas, ela me deixou pentear seus cabelos longos e loiros. O que me proporcionou uma emoção capaz de superar a intensidade do que senti no brinquedo. Essa, sim, havia sido a maior emoção das minhas férias, ou melhor, da minha vida.

 

 

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Gabriel Schirrmann (história de um colega)

Posted by epifabiconia em abril 25, 2008

EDUARDO E MÔNICA

 

            Eu era tão garoto, e ela, tão mulher. Eu, um jovem pré-vestibulando freqüentador de festinhas universitárias, e ela por volta dos 30 anos, empresária. Mundos tão distantes e que nunca teriam a chance de se encontrar, se não fosse pelas duas horas de viagem entre São Paulo a Porto Alegre. Ela, vestida com roupas caras e sérias, estava voltando de uma importante reunião de negócios; e eu, sentado ao seu lado, de bermuda, tênis e camiseta, voltando de uma visita a casa de minha mãe.

            Durante a viagem, a distância entre as idades diminuía rapidamente. Ela, ao falar comigo, se sentia tão menina; e eu, com ela, tão homem. Falamos de tudo, Jorge Bem, pôr-do-sol no Guaíba, Rua Augusta, Cidade Baixa. E, quando eu tentara jogar meu papo adolescente que nunca falhava com as meninas do cursinho, o capitão de nosso vôo anunciou a aterrissagem. Fiquei inconformado. Tudo passara tão rápido, tudo tão intenso. Minha companheira de vôo parecia já uma antiga paixão.

            Então, já no saguão do aeroporto, era hora de tudo acabar: homem voltar a ser garoto, e menina voltar a ser mulher. Caminhamos juntos até onde os caminhos coincidiam, nos demos três cordiais beijinhos, e cada um seguiu seu rumo. Pensei em tudo que havíamos conversado e me lembrei que, apesar de saber que ela havia viajado mundo tudo, namorado com dançarino de axé e que sua comida predileta era lasagna, não sabia o seu nome. Mas então aconteceu: foram poucos minutos sem ela e eu já não aquentava mais. Virei-me e ainda conseguia vê-la sumindo no meio da multidão. Agarrei forte a mochila e sai correndo atrás dela. Depois de desviar de malas, pessoas, baldes de limpeza, minha mão finalmente conseguiu tocar o seu ombro. Ela se virou assustada, mas no fundo sabia que era eu a lhe chamar a atenção “Um nome, você tem um nome não é?” perguntei, com certo tom de timidez.  Ela, sorridente, respondeu – Mônica, Mônica Rosato. E já respondendo, deu as costas e sumiu.

            Chegando em casa, mal cumprimentei meu pai e já fui direito para frente do computador. Orkut, procura, “Mônica Rosato”. E, na tela, dividindo espaço com outras seis ou sete mulheres, estava a foto dela, num elegante vestido preto e tão dona de si. Cliquei. Era mesmo ela, não quis deixar recado com medo de parecer juvenilmente afobado. Esperei uma semana e escrevi: “Oi Mônica, lembra de mim? Do vôo de São Paulo. Manda notícias beijo”. E, como mágica, no outro dia em minha página de recados, a resposta: “Então teu nome é Eduardo, claro que lembro, pode deixar, uma hora dessas combinamos algo, beijos”.

            Os meses se passaram. Conheci outras garotas e deixei Mônica guardada em algum lugar no tempo, por medo ou por preguiça, não sei. Sem e-mails, telefonemas, recados no orkut, nada, nada dela. Mas o mundo insistia em nós.

            Domingo, como de costume vou ao parque com meus amigos: chimarrão, risadas, tudo normal para um fim de tarde na redenção. Fiquei sentado enquanto meus olhos passeavam pelo parque e, de longe, vejo uma linda loira em roupas esportivas que contornam seu corpo desenhado e suado. Sua silhueta me é familiar. Ergo-me, vou atrás, chamo baixinho com medo de errar. “Mônica?”.  Ela se vira, me olha nos olhos, surpresa. Trocamos algumas cordialidades, e a deixo ir. Mas dessa vez seria diferente.

            Na mesma noite, ligo para ela, conversamos, e ganho minha chance: quinta feira, um chope. Chego de ônibus com o dinheiro contado no bolso, e ela, de carro importado. Bebemos o suficiente para virem as risadas. Assim ficamos por horas, horas demais até,

Quando vamos pagar a conta, percebo que já passara a hora do último ônibus. Aproveito a situação e falo para Mônica: “Não tem mais ônibus. Tem um sofá no teu apartamento?”. Ela me olha assustada e assustado fico eu quando ela responde: “Claro que tem”.

            Chego em seu apartamento, ainda sobre o efeito do álcool. Ficamos horas sentados no sofá vendo fotos e contando histórias. Quando começo a trocar a euforia pelo sono, ela nota e diz que vai arrumar minha cama. Suas atitudes fazem com que eu me sinta em uma posição quase de mãe e filho, mas não era isso que queria, a vontade de beijá-la tomara conta do meu íntimo.

            Ela me chama de dentro do quarto. Sigo sua voz e acabo dentro de um cômodo muito aconchegante, luz baixa, temperatura agradável e uma linda mulher de camisola mostrando minha cama: uma espaçosa cama de casal onde eu, já decepcionado, tentava me conformar em dormir sozinho. Mas vendo essa cena pensei: “Ela já é uma mulher feita, não me chamaria para um chope nem aceitaria que eu dormisse em sua casa se também não estivesse interessada”. Quando tomo coragem paro de pensar, estufo meu peito e, enquanto ela fala alguma coisa como onde ficava o banheiro e que horas teríamos que acordar, a pego pela cintura e lhe roubo um beijo forte. Me impressiono, pois ela me beija ainda mais forte.

            Como se fosse natural, caímos por sobre a cama. Minha cama agora era nossa. Puxo sua camisola e vou descobrindo cada centímetro da sua pele bronzeada e, em seus seios redondos e rígidos, me perco por completo. Estava louco! Queria agarrá-la tão forte a ponto de nos tornarmos um só. Por horas rolamos nus pela cama, e nus também dormimos.

            O dia amanheceu e eu ainda tinha Mônica em meus braços. Levantei-me, e dava para sentir no quarto a atmosfera de satisfação. Preparei o café, e ela, vestida com minha camiseta, sentou-se ao meu lado na mesa. Como se tudo fosse muito natural, nos beijamos e nos despedimos.

Fui para a aula, e ela, para o trabalho. Voltamos para nossas vidas tão diferentes uma da outra. Ela viaja muito, eu continuo na universidade e indo à Redenção aos domingos. Às vezes ela me liga de longe. Os meus olhos sempre a procuram pelo parque.

 

 

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Ariel Fagundes (história de um colega)

Posted by epifabiconia em abril 25, 2008

VÉSPERA DE FINADOS

 

É um lugar absolutamente repulsivo. Localizado na avenida Farrapos, o bar do meu pai possui um público fiel formado por rameiras idosas e baratas, travestis musculosos e drogados, bêbados solitários e desdentados. Ah, e um que outro funcionário de bordel que precisa de alguns goles para sorrir ao encarar os olhos dos empresários que traem suas esposas nas curvas das prostitutas de luxo. As paredes do bar são cobertas por um encardido gosmento, resultado de anos de exposição a óleo de fritura, à fumaça de cigarro e ao suor insalubre que exala dos corpos da distinta clientela. Já perdi a conta das horas que a mãe perdeu tentando tirar aquele encardido. Mas, como que por um feitiço maligno, não há nenhum produto que seja capaz de alvejar o gesso daquelas paredes.

            Eu nunca vou esquecer, aconteceu numa quinta-feira, dia 1º de novembro, véspera de Finados. Nessa data, minha irmã caçula estava comemorando o seu primeiro aniversário. Levando em consideração que nosso apartamento era pequeno demais para acomodar todos meus tios e primos, o pai decidiu fazer a festa no bar. Sim, em uma das piores partes do centro porto-alegrense, com o sexo ilegal e as drogas permeando o local, e com as fétidas paredes, que deixaram de ser brancas há muito tempo, emoldurando a cena. Porra, é claro que eu fui contra! O primeiro aniversário da minha irmã ia ser comemorado nesse ambiente horrível. Isso não é um bom jeito de se começar a vida!

            Como, em vinte e tantos anos de casamento, a mãe nunca questionou uma decisão tomada pelo pai, por mais estúpida que fosse, não ia ser agora que isso ia mudar. Restou a mim, então, reclamar. Tentei explicar de todas as formas que um bar na Farrapos não é lugar adequado para se fazer festa com crianças (como se fosse algo muito difícil de ser entendido), mas não adiantou. O problema é que meu pai é tão teimoso que a minha insistência só contribuiu para que ele se tornasse cada vez mais inflexível. Ele disse que já tinha ligado pra todo mundo e que estava tudo certo, o aniversário ia ser lá e isso não estava mais em discussão. Ponto.

Mas, enfim, tudo foi feito como ele quis e, às oito horas da noite, minha família já estava reunida no bar. Alguns tios que chegaram mais cedo iam acumulando garrafas vazias de cerveja em cima das mesas de plástico. As gargalhadas se tornavam cada vez mais ruidosas e as crianças se divertiam correndo pelo bar. Faltava apenas um tio chegar para que o pai baixasse a cortina de ferro da porta de entrada, e a festa começasse de fato. Nesse momento, surgiu um jovem de pele clara, mal cheiroso e mal vestido. Para nossa surpresa, ele entrou correndo bar adentro e se encolheu atrás do balcão. Estava apavorado. Seu corpo inteiro tremia, e o suor jorrava compulsivamente de sua pele, inundando o piso de madeira. Ao ver aquilo, ninguém – muito menos eu – entendeu nada.

De imediato, meu pai e meus tios se puseram a gritar com o pivete. Primeiro ameaçaram chamar a polícia, depois ameaçaram expulsá-lo na base da porrada mesmo, mas o guri não moveu um centímetro. Parecia não estar escutando uma palavra do que era dito. Essa situação já estava me deixado bem assustada, mas então, antes que qualquer dos meus tios embriagados cumprisse as ameaças, chegaram dois homens armados com revólveres. Eu disse que não era uma boa idéia! Suas peles eram negras como suas armas, e seus olhos, vermelhos e arregalados. Pareciam dobermanns raivosos farejando sua presa.

“Cadê aquele filho da puta?”, um deles gritou. Silêncio mortal no bar. Puts, eu fiquei muda, estática. Nem se quisesse ia conseguir dizer onde o guri estava. Os mesmos irmãos do pai que estavam tão corajosos 30 segundos atrás também não conseguiram emitir o menor som diante daquilo. “Eu não vou perguntar de novo, caralho!” Então minha priminha de dez anos, chorando mais do que eu tinha visto qualquer outra criança fazer, apontou seu pequeno dedo indicador para a direção do balcão. Os homens agarraram o jovem maltrapilho e o atiraram para o centro do bar num só golpe. Porra, eu avisei que não era uma boa idéia! O guri começou a chorar e a soluçar tanto que era impossível entender o que ele dizia, mas, devido à situação, era óbvio que estava implorando por misericórdia. Os dois homens apontaram suas armas para o guri, que a essa altura estava completamente encharcado de suor, lágrimas e urina, e as engatilharam.

            Enquanto isso, todos meus tios e primos, meu pai, minha mãe e, claro, eu estávamos em estado de choque. Ninguém dava um pio. Até mesmo as crianças, que não pararam de chorar desde que tudo havia começado, ficaram quietas. Quando todo mundo pensou que ia ver o cérebro do pivete se espalhar pelo bar inteiro, o estouro de um tiro a queima roupa deu lugar a dois baques surdos. O guri havia apenas recebido dois chutes, um na cara e outro na barriga. Talvez “apenas” não seja um termo preciso. Com os chutes, ele perdeu os dentes que ainda tinha e ficou cuspindo muito sangue. Bom, mas pelo menos não morreu, né? Após desferir os golpes, os dois homens guardaram suas armas e foram embora como se aquilo tudo tivesse sido apenas um contratempo que os atrasou em alguns minutos.

            A platéia ficou boquiaberta com o espetáculo e sinceramente aliviada. Ninguém imaginou que o pivete ia sair vivo dali. Após o choque, a primeira atitude tomada foi chamar uma ambulância pra levar o guri embora. A segunda foi se dedicar a tecer as mais mirabolantes hipóteses sobre o ocorrido. Acerto de quadrilhas rivais, cobrança de dívidas de crack, etc etc etc… Felizmente, o socorro chegou rápido, e o jovem maltrapilho, desacordado – mas vivo -, sumiu de nossa vista. O tio que meu pai estava esperando acabou nem vindo, e a trágica festa foi encerrada antes mesmo de começar. Bom, nem preciso dizer que todos os aniversários seguintes foram comemorados lá em casa. Todo mundo meio apertado, mas feliz.   

 

 

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Felipe Lopes (história de um colega)

Posted by epifabiconia em abril 25, 2008

QUINTA-FEIRA DE CINZAS

 

Amanhecia com um sol tímido escondido atrás das nuvens. Os paralelepípedos da rua ainda estavam cobertos de confetes e serpentina próximo à entrada do clube Corinthians. Na calçada, pedaços de garrafas quebradas se juntavam a alguns bêbados atirados na sarjeta.

Era quarta-feira de cinzas, mas pra mim o carnaval ainda não havia terminado. Não fui pro Rio, meu bloco não ganhou o desfile, não tive nenhuma paixão carnavalesca, nem ao menos uma boa mentira pra contar. Fora mais um feriado entediante em Santa Cruz do Sul, assim como todos os últimos.

Mas afinal, era carnaval! Disposto a mudar meu destino de folião frustrado, ao meio-dia, retomei os trabalhos. Antes que os efeitos da ressaca de três dias de bebedeira começassem a recair sobre mim, já estava acompanhado de alguns sobreviventes da maratona de festas e de algumas caixas de cerveja, cheias de garrafas geladas que suplicavam por esvaziar-se antes que ficassem quentes. Quando os quadrados do piso da casa vó adquiriram formas arredondas, notei que o álcool começara a surtir efeito e, quase que concomitantemente ao início de minha embriaguez, surge ao portão da velha casa amarela meu primo Guilherme, com um sorriso tão convidativo quanto o verde brilhante da garrafa de Absinto que segurava em suas mãos. Feito o carreto! Não pude esconder que minha felicidade era maior ao admirar a “fada verde”, do que ao contemplar o nariz batatudo de meu primo, que já estava mais do que enjoado de ver.

E assim, sem me dar conta, aquela tarde passou num piscar de olhos, as paredes amarelas já haviam ficado marrom com o anoitecer, e as janelas da casa surpreendentemente multiplicavam-se a cada olhar. Entre risadas, histórias incríveis, alguns copos quebrados e muitas idas ao banheiro, nos lembramos de aquela noite ainda nos reservava a festa final do carnaval. Assim, quando a ultima garrafa de cerveja (agora quente, mas não por isso intragável) chegou ao fim, saímos de casa rumo ao clube.

A grande reta da rua central me parecia cheia de sinuosas curvas, as luzes alaranjadas dos postes atingiam meus olhos com tamanha força que me faziam caminhar de cabeça baixa, olhando para meus próprios pés, que a cada passo tomavam uma nova direção. Senti uma forte sensação de enjôo e, ao dar mais um gole no gargalo da suntuosa garrafa, vomitei no meio da rua litros de “cerveja esverdeada”. Durante o trajeto, notei que meus companheiros boicotavam qualquer tipo de conversa comigo. Eu ria sozinho da fala enrolada dos guris, sem me dar conta de que eles ao menos conseguiam pronunciar alguma palavra.

Chegamos ao clube lá pelas três horas da manhã e, então, recebemos a triste notícia do segurança que cuidava a porta: “ninguém mais entra na casa!”. “Mas como assim ninguém entra?”, pensei. Minha última noite de carnaval era a esperança de salvar mais um feriado perdido, de poder voltar feliz pra casa. Tinha a convicção de que aquela festa me reservaria algo de especial, mas lá, dentro do clube Corinthians, não do lado de fora! E não seria aquele gorila, filho da puta, de dois metros de altura e três de largura que iria botar todos os meus planos por água abaixo! Filho da puta! Era só assim que eu pensava no negão três por quatro. E assim o xinguei quando ele deu o assunto por encerrado: “Tu é um filho da puta mesmo!” e repeti por várias vezes e, em cada uma delas, acrescentava mais uma gama de palavrões.

Triste era pouco, estava arrasado, deprimido, frustrado! Quase que chorando, caminhei à procura do caminho de casa. Mal notei que estava sozinho. Realmente minha companhia, naquele momento, já não era das mais agradáveis. Nos fundos do clube, encontrei, nos degraus do antigo estacionamento, um lugar confortável para descansar e finalmente tomar o derradeiro gole do Absinto maldito!

Uma voz firme e grave me acordou: “Agora a gente vai ver quem é o filho da puta!”. Era o gorila engravatado que estava em minha frente. O troglodita de careca reluzente exibia nas mãos um cacetete preto e, sem hesitar, acertou-me na altura do estômago. Nessa hora, de dor, urrei: “Filho da puta!”. E a cria da santíssima mãe me batia com cada vez mais força, ora nos braços, na cabeça, nas pernas, na barriga, entre as pernas e a barriga, por todo o corpo.

Acordei ainda na escada, completamente dolorido e ainda embriagado. Mas a maior dor foi ver o dia daquela manhã cinzenta de quinta-feira nascendo. Perdi minha quarta-feira de cinzas, e com ela as esperanças de salvar meu carnaval.

Ao chegar em casa, notei que não havia ficado nenhuma marca das agressões do segurança. Foi a gota d’água. Todas minhas tentativas fracassaram. Não fui pro Rio, meu bloco não ganhou o desfile, não tive nenhuma paixão carnavalesca, e a única boa história que tinha pra contar parecia mais uma grande mentira.

 

 

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Renata Fetzner (classificação)

Posted by epifabiconia em abril 25, 2008

 

É SÓ OLHAR PARA VER

 

Já dizia a canção “é só olhar pra ver que eu sou do sul”. O resto do Brasil, por falta de conhecimento ou por preconceito, costuma ter uma idéia estereotipada dos habitantes do Rio Grande do Sul. Chegam a pensar que os aproximados dez milhões e seiscentos mil habitantes do Estado mais ao sul do nosso país andam trajados tipicamente, galopando seus cavalos crioulos pelas ruas da cidade, com a cuia do chimarrão em mãos e almoçando churrasco todos os dias. Nós, gaúchos, os protagonistas dessa história, sabemos que os quatro cantos da nossa terra longínqua e de tantas peculiaridades abriga gaúchos de diversas formas, cores e tamanhos.

O gaúcho Rodrigo Cambará é o gaúcho típico, o estereótipo do Rio Grande. Anda pilchado diariamente, não dispensa comida gaúcha em todas refeições, não desgruda do mate e tem aquele sotaque forte e pomposo que é forçadamente imitado por brasileiros como os do “Casseta e Planeta”. Ele trata os hábitos dos homens modernos como coisas de maricas, tchê! Com esse tipo de gaúcho, tradição é tradição, 365 dias por ano. Ele expõe seu amor pelos pampas em qualquer momento do dia, seja em trovas, versos, canções, vestuário ou culinária.

Outro tipo, igualmente comum, são os gaúchos da ilha. Na maioria das vezes, jovens que, nos finais de semana, feriados e férias, pegam o carro e as pranchas de surf e rumam para o litoral catarinense. São encantados pelas praias da ilha e do restante do Estado de Santa Catarina. Ferrugem, Floripa e Praia do Rosa são como sua segunda casa, onde encontram a beleza e o clima de natureza que dizem não encontrar por aqui.

Na capital do Estado, encontramos o Gaúcho da Bela Vista e do colégio Anchieta. Integrante da tal “Classe A”, assim chamada pelas estatísticas, mora na Bela Vista, Três Figueiras ou Moinhos de Vento. Seu filho estuda no Anchieta ou no Farroupilha. No domingo, jamais freqüenta a Redenção ou o Gasômetro (ambos pontos turísticos e muito freqüentados). Contenta-se com um cubículo de grama, a Praça da Encol, cercado por alguns dos edifícios mais chiques da capital gaúcha. Nas férias, ou torna-se gaúcho da ilha, ou migra para a praia internacional mais próxima: Punta Del Este, onde participa de diversos coquetéis e estampa colunas sociais.

            No verão, o gaúcho “agüento tudo por uma praia” dá o ar de sua graça. É aquele que, quando chegam as festas de final de ano, enche o carro e se muda para a praia. Mas não Santa Catarina, muito menos Punta Del Este. E sim, as praias gaúchas mesmo, geralmente, as do litoral norte. São três meses curtindo as praias cinzentas do litoral gaúcho, contentando-se com as caminhadas pelo centro de Capão da Canoa, atravessando a ponte de Tramandaí-Imbé, telefonando de orelhões em formato de abelhas no Balneário Pinhal, vendo shows na concha acústica de Cidreira. Três meses vestindo chinelo, bermuda, boné de brinde, com marca do óculos escuro e pele vermelha, comprando crepe, indo na sorveteria todo santo dia e tomando chimarrão na beira da praia. O pior: agüenta a péssima infra-estrutura das praias, os altos preços dos produtos, o mar gelado e com cor de chocolate, os argentinos roubando suas mulheres, o famoso vento nordestão na beira da praia, os inundamentos das ruas depois de um dia de chuva, entre tantas outras coisas pelas quais só esse grupo de gaúchos passa. Mas, apesar de todos os percalços do veraneio, continuam amando sua praia, e um ano depois, estarão lá novamente.

            Ao chegar o mês de setembro, mais precisamente a semana do dia 20, quando se comemora a Revolução Farroupilha, centenas de gaúchos Rodrigo Cambará aparecem, de súbito. Podem ser chamados de “gaúchos Maria-vai-com-as-outras”. De uma hora para outra, o Estado inteiro passa a exaltar seu amor pela terra, por suas origens, passa a seguir o tradicionalismo. Vão às lojas e compram vestimentas típicas, passam a ouvir músicas tradicionalistas, levam chimarrão para o trabalho, forçam o sotaque. Tudo vira festa e todos louvam seu pago e sua querência amada.

            Pelo fato de o Brasil ser um país de diversas colonizações, o Rio Grande do Sul possui gaúchos meio cá, meio lá. Os meio lá na Alemanha cultivam os costumes germânicos. Vivem, geralmente, no interior do Estado, e até hoje preservam as tradicionais festas alemães, chamadas de kerbs, regadas a muita comida (cuca, lingüiça, pães com kas-schmier) e as famosas e engraçadinhas bandinhas alemães. Mesclam três sotaques: o gaudério, o interiorano e o alemão (que ainda é muito falado nas casas de origem germânica). O outro gaúcho meio cá, meio lá, vem da Itália. Praticamente igual ao alemão, mudam-se os costumes, as músicas e as comidas, que são substituídas por vinhos, massas, polentas e uvas. Em muitas cidades, nos sentimos na própria Alemanha ou Itália, mas sempre ouvimos ou vemos algo que nos remete ao amor pelo Rio Grande do Sul.

Se você se identificou com mais de um tipo de gaúcho, não estranhe. No fundo, o verdadeiro povo do Rio Grande do Sul é uma soma de alguns desses grupos e de outros tantos. Entre semelhanças e diferenças, somos constantemente notados Brasil afora, afinal “É só olhar pra ver que eu sou do sul”.

 

 

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Natália Michelena (classificação)

Posted by epifabiconia em abril 25, 2008

CELULARES OU SERES HUMANOS?

 

Desde o surgimento da telefonia móvel, o celular sofreu transformações significativas. A denominação das duas primeiras gerações do aparelho inspirou-se, basicamente, em seu tamanho, sendo que mais atual se deu não só pelo formato, mas também pelas muitas aplicações tecnológicas existentes.

            Os pioneiros foram os chamados “Esconda-me se for capaz”, vulgos “Tijolões”. Eram, de fato, enormes e bem básicos, com funções comuns a um telefone fixo normal. Ocupavam um espaço considerável nas bolsas e mochilas das mulheres. Colocá-los no bolso, então, revelava-se uma missão impossível! Todo esse tamanho avantajado podia ser percebido, por exemplo, fosse atendê-lo: parecia que o sujeito estava tirando uma arma de dentro da pasta, principalmente no momento de levantar a famosa antena flexível, a qual, muitas vezes, saía inteira do aparelho, pronta para o ataque. Ou seja, até mesmo o simples ato de atender o celular vinha acompanhado de grandes emoções.

            Após a presença “de peso” no mercado dos telefones móveis, fora iniciada a fase dos celulares pequenos, mais práticos e com inovações como toques polifônicos e jogos. Seu tamanho correspondia praticamente à metade do primeiro modelo. Esta característica, por sinal, gerou certas complicações, visto que os usuários estavam acostumados com a exuberância e a sobre-saliência do “Tijolão”. Agora, caso o celular tocasse, era necessário tatear diversos outros itens na pasta, com tamanhos mais ou menos iguais ao do aparelho, para conseguir enfim atendê-lo. Por isso, a novidade em questão passou a ter o nome “Encontre-me se você for capaz”.          

Chegando a terceira categoria na linha de sucessão dos celulares, eis que surgem os modelos atuais – pequenos ou grandes – que apresentam opções diversas de design, possuem muitas funções (como tirar fotos, ouvir rádio e filmar) e alguns apresentam, inclusive, a parte frontal móvel. São eles os aparelhos “Utilize-me se você for capaz”. Todas essas aplicações reunidas em um único celular acabam provocando mais confusões, especialmente se os consumidores forem pessoas de idade mais avançada, indiferentes à maioria das inovações do mundo contemporâneo. Conseqüentemente, escutar a frase: “Como se mexe nisso?” virou rotina nos dias de hoje.

            Sendo assim, podemos dizer que o aparelho celular iniciou seu ciclo de vida como uma “pedra” no caminho dos usuários, seguiu tornando-se prático e, atualmente, esbanja diferentes e inúmeras funções. No futuro, considerando os visíveis esforços dos homens em fazer com que as máquinas se assemelhem cada vez mais aos seres humanos, talvez o próximo modelo se chame “Converse comigo se você for capaz”.

 

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Letícia Becker (classificação)

Posted by epifabiconia em abril 25, 2008

NOSSOS MESTRES

 

O aprendizado, tanto no meio escolar, quanto no meio acadêmico, depende de duas partes: do professor e do aluno. Os esforços de ambos são necessários para que se possa desenvolver esse aprendizado da melhor maneira possível. Do aluno, são esperados dedicação, disciplina, interesse e muito estudo. E do professor? Ele também tem uma grande responsabilidade sobre o aprendizado. Cada um tem seu jeito, mas a maneira como dá aula, como aborda o conteúdo e como se relaciona com os alunos influenciam profundamente no aprendizado. Alguns professores têm didáticas mais eficientes, outros não, e é interessante compará-las para tentarmos melhorar o ensino.

Há diversos tipos de professores. Um dos mais populares é o professor Show-Man. Como o próprio nome já diz, é um show em pessoa. Suas aulas são muito dinâmicas, repletas de encenações, músicas, versos. O aluno acaba se sentindo em uma platéia de uma peça teatral. Todas as artimanhas são utilizadas para prender a atenção do aluno e para ajudá-lo a absorver a matéria. São geralmente aqueles professores que a turma adora e que acabam se tornando muito conhecidos. Seus métodos, em geral, são eficientes, e o professor conquista o respeito da turma.

Já o Professor Não-Fede-Nem-Cheira, ao contrário do Show-Man, não consegue conquistar o respeito dos alunos. Ele é um professor meio tímido, que entra na sala em meio a muitas conversas, dá aula em meio a muitas conversas, e sai em meio a muitas conversas. Enfim, ninguém dá bola para sua presença e para a matéria que leciona. Muitas vezes é aquele professor novato, sem experiência. Por não saber conduzir a turma, mesmo tendo um ótimo conteúdo para passar, o professor dificulta o aprendizado daqueles alunos interessados, que não conseguem prestar atenção em função da bagunça em que se encontra a sala. Geralmente facilita a aprovação de todos, com meios de avaliação muito fáceis.

O Professor Leão-Lobo é quase sempre do gênero feminino. Esse estilo de professor é caracterizado por adorar uma fofoca. Se puder, passa a aula toda contando sobre as brigas com a vizinha, os relacionamentos amorosos dos filhos, ou o último capítulo da novela. Assim como o Professor Não-Fede-Nem-Cheira, os alunos acabam não aprendendo nada em suas aulas. O Professor Leão-Lobo é parecido com o Professor Volta-ao-Mundo, que o que menos gosta de fazer é dar aula. Seu maior interesse é conversar com os alunos, mas não sobre fofocas, e sim sobre as suas viagens pelos Lagos Andinos, pelas praias tailandesas ou pelas savanas africanas.

O Professor McDonald’s ou Amo-Muito-Tudo-Isso é aquele que basta assistir uma aula para se dizer: “Esse cara ama o que faz”. Ele dá aula com prazer, está sempre aberto a intervenções dos alunos, interessa-se pelo andamento do aprendizado e, geralmente, tem um ótimo relacionamento com eles. Esse professor adquire o respeito dos alunos naturalmente, sem exigi-lo. Ele pode até ter um pouco de Professor Leão-Lobo ou Volta-ao-Mundo, mas sabe a hora de parar e, geralmente, o assunto tratado nas conversas paralelas tem relação com a matéria.

Enfim, esses são apenas alguns exemplos, pois há muitos outros tipos de professores. O fato é que o estilo do professor influencia muito a aprendizagem dos alunos. A maneira como conduzem a aula e como se relacionam com os alunos, muitas vezes, é responsável pelo êxito do ensino .

 

 

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Giselle Querotti (comparação)

Posted by epifabiconia em abril 11, 2008

           

TODOS FARINHA DO MESMO SACO

 

Todo início de semestre é a mesma coisa. A Fabico se movimenta. Bixos para um lado, veteranos para o outro. Os primeiros, tímidos, com as caras pintadas, encolhidos em seus cantos. Os últimos, exultantes, entoando hinos e dando ares de donos do pedaço com suas mais poderosas armas: os implacáveis potes de tinta. Aparentemente, nada em comum além do fato de estarem na mesma faculdade.

            Os primeiros dias de aula são os mais aguardados pelos calouros. A vontade de aprender se soma à expectativa de conhecer outras pessoas, fazer novas amizades, compartilhar experiências. Será que vão gostar de mim? Será que escolhi a faculdade certa? Como serão meus colegas e professores? Isso sem falar do frio na barriga que dá esperar pelo famoso trote. Será que é tão terrível como falam? São muitas as perguntas a serem respondidas logo no início da vida acadêmica. E os bixos chegam acanhados, na maior expectativa, receando e, ao mesmo tempo, desejando o que estar por vir.

            Os veteranos, por outro lado, já experimentaram essas sensações. Conheceram na pele o que é ser bixo, passaram por todas as provações impostas no trote, e estão ansiosos por “descontar” nos seus bixos tudo o que lhes foi aplicado. Tentam demonstrar que mandam, fazendo com que os calouros cantem, dancem e realizem todo tipo de prova. E ai de quem reclamar! Porque bixo rebelde é logo castigado. E, por isso, os veteranos também ficam na maior expectativa, ansiando pelos momentos de diversão às custas dos pobres coitados.

            Mas os dias de trote são só o início da convivência universitária. Eles logo passam e, depois de terem a permissão de andarem com as caras limpas, os bixos ficam muito parecidos com seus veteranos. Muitos adiantam cadeiras, outros precisam atrasá-las, e o que sobra no final é uma miscelânea em cada turma, com alunos de diferentes semestres, mas com muita coisa em comum, como a paixão pela comunicação, a vontade de mudar a Universidade Pública e a disposição em participar de passeatas e protestos organizados pelo diretório acadêmico.  Além disso, bixos e veteranos compartilham a insatisfação com as cadeiras teóricas no início do curso, mas, principalmente, a falta de consciência do quanto elas são importantes. A energia para festas e para as tardes de sinuca e muito truco no DACOM também são comuns às duas classes. No início do curso, igualmente, os estudantes criticam, de maneira ferrenha, as grandes redes de comunicação e as discussões em sala de aula, quase sempre baseadas em “achismos” e que terminam em reality shows e novelas brasileiras.

Ou seja, caras pintadas ou tinta na mão, no fundo são todos farinha do mesmo saco.  

              

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Demétrio Pereira (crônica)

Posted by epifabiconia em abril 11, 2008

ACREDITE SE QUISER

 

            – Bah, mãe, meu filho eu não vou batizar.

            Como assim? O guri, após muitos anos de criação “para o bem”, vem com esse tipo de afirmação dos diabos e condena o neto? O futuro celestial da família está comprometido. Não é fácil para integrantes de gerações ferrenhas na prática religiosa aceitarem idéias desapegadas como essa. De qualquer forma, tive que dizer à mãe. Filho meu não vai ser batizado. Não vou nem anunciar punições do “Papai do Céu” para traquinagens diversas. Aliás, nem do Papai do Céu vou falar. E isso, sob a perspectiva de muitos religiosos, pode significar a condenação da criança a uma conduta depravada, aleijada de certos valores morais que apenas a religião poderia prover. Para derrubar essa visão, entretanto, basta observarmos as atrocidades cometidas por pessoas ditas espiritualizadas ao lado do perfil solidário e politicamente correto de outras tantas ditas ateístas. Platão, n’A República, já discutia ética e o “bem” sem precisar acreditar em um deus inquisidor. Mas calma lá, que não quero entrar nesse mérito. Antes de defender um lado ou outro, vejo teístas e ateístas como farinha do mesmo saco.

 

            É, eu decretava a mim mesmo larga impopularidade ao pelear contra a criação religiosa, e agora cavo de vez meu buraco declarando guerra a quem estava simpatizando com a coisa. Mas a idéia é simples. Afirmar ou negar a existência daquilo que desconhecemos aponta para o mesmo erro. Parece puro debate ideológico, mas o perigo reside, justamente, no domínio nocivo que qualquer ideologia, enquanto incontestável, pode causar em um indivíduo e, assim, ser refletido no meio social. É assim que o embate entre cristãos e muçulmanos transforma concepções diferentes de mundo e existência em guerras que atravessam séculos, cada qual com sua justificativa, sempre um misto de política e espiritualidade. É assim que a Igreja Católica tentou – e continua tentando – frear a ciência e a divulgação do conhecimento científico, através de práticas completamente avessas aos serenos sermões do bondoso e conciliador menino de Belém. É assim que, em certos países, moças têm seus clitóris mutilados logo ao nascer, pois assim a religião local postula. Cabe reparar na naturalidade com que muitas religiões oprimem as mulheres, pois, em Estados onde política e espiritualidade estão conectados, nada mais fácil para o homem, detentor do poder, tornar comum e aceitável aquilo que apenas convém aos seus interesses – inclusive, nesse caso, o desrespeito e o tolhimento da dignidade da mulher.

 

            Ah, meu filho eu não batizo. Mas nem por isso guiaria alguém pro ateísmo. Pelo menos em nível individual, estão comprovados cientificamente os benefícios da fé. Fé em qualquer coisa. Fé n’O Segredo, que seja. Mesmo com a incerteza da existência real daquilo em que acreditamos – se tivéssemos certeza, não acreditaríamos, saberíamos – uma mentira agradável muitas vezes vem a calhar. A mim parece que, coletivamente, o ateu não representa tanto perigo quanto o fanático religioso. O ruim dele é se tornar um chato, rindo de longe de coisas que julga absurdas, mas caindo na mesma armadilha do extremismo ideológico. Se levar uma crença ao extremo culmina em guerras e demais violências, por outro lado, valorizar exacerbadamente uma descrença, no mínimo, estreita a visão do indivíduo e o impede de aproveitar o que as tantas doutrinas religiosas têm para oferecer. Ou seja, o mal do ateu não é tão visível, mas a intransigência, por si só, já é um mal.

 

            Ora, se não batizaria meu filho é porque, não tendo certeza das coisas do mundo e do além-mundo, seria violência comprometer a mente alheia e submetê-la a certezas incertas. Em temas como esse, cabe a cada pessoa, ao seu próprio tempo, encontrar o que lhe serve como verdade e reconhecê-la como verdade apenas para si, não para outros. Ao contrário do que posso ter feito parecer, não me incomodam os crentes nem os descrentes. Caio agradavelmente no chavão “se faz bem, que mal tem?”. Ainda assim, vejo com imenso desprezo a displicência com que se levam recém-nascidos para serem aceitos aqui e acolá como filhos deste ou daquele, sendo que a pobre criança mal tem noção da própria existência. É um desrespeito à individualidade e à própria liberdade de pensamento. Não pretendo apregoar o desapego a toda tradição, influência social, ritual ou costume. Ocorre que, neste caso específico, na discussão de um tema sobre o qual, de fato, nada se sabe, defendo que nada se afirme. Muito bom eu vou achar que meu filho não mate, não furte nem cobice a mulher do próximo (evita problemas, não é?), mas nada de azeite e sinal da cruz no bebê. Melhor estimulá-lo a pensar e fazer escolhas por si só, quando for capaz para tal. E muito bom eu vou achar que meu filho seja gremista. Ruim é se resolver se agremistar demais e sair brigando com colorado. Extremismo ideológico, que tristeza!

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Renata Spanhol (comparação)

Posted by epifabiconia em abril 7, 2008

COZINHANDO RECEITAS, ESCREVENDO PALAVRAS

 

   Escolher os melhores ingredientes, saber a hora certa de colocar cada coisa, cortar as partes que não estão boas, trabalhar bem para que tudo fique homogêneo, deixar descansar. Para crescer a massa e para melhorar o texto. Escrever e cozinhar podem parecer artes totalmente distintas, mas, ao preparar uma receita ou ao fazer um texto, encontramos um mesmo princípio: a junção de ingredientes e de idéias diferentes – muitas vezes inconciliáveis – que se transformam em algo completamente novo, quase como num passe de mágica, mexendo com as emoções de quem faz e de quem degusta essas misturas.  

  Quando escrevemos, colocamos tudo o que somos e estamos sentindo no papel. Para o texto dispensamos tempo, energia e dedicação, experimentando cada palavra, preparando letra por letra para chegar ao resultado final mais delicioso possível. Erasmo de Rotterdam disse que o gosto pela escrita cresce à medida que se escreve e, nos arredores da cozinha, não é diferente. A cada receita que se acerta, como em cada texto em que a expressão de nossas idéias se concretiza, a vontade de descobrir outros sabores e a ânsia por vencer novos obstáculos se intensifica. É como ter sucesso com aquela massa de bolo que nunca cresce uniforme ou com aquele assunto sobre o qual não conseguimos nos expressar com habilidade.

   Mesmo parecendo ser próximos, as diferenças entre culinaristas e literários também podem ser percebidas. O ato de mexer com as panelas pede a atenção constante de quem o executa. Um segundo de distração pode significar o fim de um prato. Os escritores permitem-se uma liberdade maior com sua arte, podendo ficar dias, até anos deixando seus escritos em banho-maria, retomando-os sem o menor prejuízo. Enquanto existem cozinheiros que só se sentem confortáveis criando na própria cozinha, com suas facas e seu fogão, há escritores que conseguem escrever em qualquer lugar, basta que tenham uma caneta e um pedaço de papel em mãos.

   A culinária e a escrita são apaixonantes. Apesar de uma ou outra diferença aparecer, é impossível não perceber o ponto central que as entrelaça. Quem já não ficou com os olhos cheios de lágrimas lendo uma passagem de um livro? Quem nunca voltou aos bons tempos da infância ao comer um doce que era preparado pela avó? Tudo o que cozinheiros e escritores transmitem através de suas mãos tornam as experiências, seja com panelas, seja com canetas, únicas e necessárias para que estes cheguem ao objetivo de suas atividades: a expressão de emoções.

 

 

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