O BANCO MAIS EXTREMO
Quando o assunto é cidade com muitas opções de lazer, Torres não é um bom exemplo. Pode até ser uma praia muito bonita, com suas falésias e suas trilhas, mas, à noite, o roteiro é único: caminhar pelo calçadão no centro.
Eu, minha irmã e minha prima Camila – Ah! Camila… Camila e seus cabelos… – repetíamos esse programa há uma semana. No centro, o grupinho de roqueiros bebia vinho ao lado da barraquinha de algodão doce; o carro vermelho mal estacionado continuava a tocar a “Dança da motinha”; e as mesmas meninas, com suas saias curtas, riam e rebolavam para quem passasse ao lado.
Entediado de desfilar, sugeri à Camila e à minha irmã que entrássemos em um mini-parquinho de diversões no fim da rua. Havia lá uma pista de carro-choque; uma centopéia que dava voltas em torno de uma flor gigante; um carrossel sem música; alguns jogos de azar e uma carrocinha de pipoca, cujo vendedor era também o responsável pelos ingressos dos brinquedos. Ao fundo, quase sem iluminação, estava o barco-viking, o brinquedo mais emocionante do parque e que parecia ser a nossa esperança de diversão naquela noite.
Minha irmã sentou-se no banco central do brinquedo, e Camila, do lado dela. Pensei em me acomodar junto a elas, o medo podia fazer com que Camila segurasse minha mão, mas como eu sabia que não passaria disso, optei pela adrenalina de sentar-me no banco mais extremo, que atinge maior altitude com a movimentação do barco.
Enquanto um rapaz fechava a trava de segurança dos bancos, chamei-as para me exibir: “Vocês são muito sem graça! Irado é ir bem alto, quase virando de cabeça para baixo”. Mal o sujeito fechou minha trava, o motor do barco começou a funcionar.
O movimento era lento, e o ângulo de inclinação do barco aumentava sem pressa. Eu ansiava por um balanço mais acentuado e admirava os cabelos loiros e compridos que cobriam as costas de Camila. Foi quando pus as mãos sobre o ferro que prendia minha barriga e ele se moveu para frente, deixando-me completamente solto. Senti o primeiro frio no estômago. Eu estava sem segurança em um brinquedo arriscado de um parque precário.
Tentava, com todas as minhas forças, puxar a trava em minha direção novamente, mas ela não se movia um milímetro sequer. Pensei em gritar para que o brinquedo fosse desligado, mas Camila pensaria que eu era um medroso, então me segurava o mais firme possível. O barulho do motor velho era a trilha sonora do meu temor. Forte e intenso.
Os cabelos de Camila já não escorriam sob suas costas, se balançavam cada vez mais rápidos e violentos. Eu implorava em silêncio para que ela não olhasse para trás e visse meu rosto apavorado, provavelmente vermelho de tanta força e suado de tanto medo. Ela também se segurava firme, mas eu era capaz de ouvir suas risadas de diversão.
Rir era o que restava. Eu ria um riso nervoso e sem som. Eu sentia meus pés chutarem o chão de tanto que tremiam. A velocidade do barco parecia aumentar com o meu desespero, e o frio na barriga se revezava com arrepios de pavor. Quando percebi que a força que eu fazia não era mais suficiente para me manter no banco, vi a morte sentar-se ao meu lado. Ela sorria para mim, assistindo meu desespero, com gozo. Aquela era minha hora. Comecei a rezar, lembrar da minha família, dos momentos da infância e de tudo mais. Eu estava vivendo um pesadelo e tudo o que eu queria era acordar.
A cada descida, eu me erguia cada vez mais longe do assento, o que evidenciava minha futura queda. “Menino morre ao cair de um brinquedo no parque de diversões”, previ a manchete no jornal do dia seguinte. Não! Esse não poderia ser meu fim, não era justo. Eu ainda tinha muito o que fazer em vida. Camila! Meus Deus! Eu ainda preciso dizer à ela o que sinto!
Fechei os olhos e comprimi mais ainda minhas mãos na trava. Segundos depois, quando os abri, não acreditei no que via. Os cabelos, agora embaraçados, de Camila diminuíam seus movimentos. O som do motor já não era tão agudo. O brinquedo estava parando. Inacreditável! Eu estou vivo! Acomodado no banco do barco, que quase não se movia, olhei minhas mãos vermelhas e limpei o suor do rosto com a camiseta – refletindo que aquela havia sido a maior emoção das minhas férias, ou melhor, da minha vida.
Mas, ao voltar para casa, Camila me surpreendeu. Ela não disse que também gostava de mim, quando contei a ela o que sentia. Ela também não me deu o beijo que pedi. Mas, ela me deixou pentear seus cabelos longos e loiros. O que me proporcionou uma emoção capaz de superar a intensidade do que senti no brinquedo. Essa, sim, havia sido a maior emoção das minhas férias, ou melhor, da minha vida.