Epifabiconia

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Archive for the ‘comunicação em LP 2 b’ Category

Jéssica Melo (crônica)

Posted by epifabiconia em junho 27, 2008

A relação inversamente proporcional entre a esclerose e o bom gosto.

(ou “vovó e o aquecimento global”)

Depois de certa idade, as pessoas perdem seu bom gosto – às vezes, até o seu bom senso. Pra minha vó, por exemplo, não adianta falar “Rosa pink e laranja piscante não combinam”. Lá vem ela, toda sorridente, com um cachecol de tricô feito com uma lã estranha, cheio de fiapinhos prateados que brilham, umas bolotinhas, que, segundo ela, são da própria lã. E aquelas cores que, definitivamente, não condizem. “Mas, na época da tua mãe, essa era a moda”. Claro, há mais de 30 anos. E todos os invernos são a mesma coisa. “Tu não estás usando o meu presente. Não gostaste? Eu fiz com tanto amor”.

***

            A melhor invenção do século XXI certamente é o aquecimento global. O que seria de nós se tivéssemos de encarar aquele frio intenso de épocas anteriores? Minha quota de frio para este ano já estourou na semana passada, com aquela queda de temperatura que ocasionou até a primeira neve do ano no estado. Seis graus em Porto Alegre já é demais. E sem o aquecimento global, quanto seria? Zero graus? Cru-zes. Obrigado Estados Unidos por poluir a Terra. Obrigado indústrias. Obrigado madeireiros. Obrigado a todos aqueles que contribuem pela alta de nossas temperaturas. Juntemos-nos todos a uma campanha em comum “Emita gás carbônico. Transforme o seu planeta em um grande Caribe”. Pelo menos nunca mais terei de usar aquele cachecol breguíssimo da minha vó.

 

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Fahra Abdula (conto mote Tcheckov)

Posted by epifabiconia em junho 27, 2008

SETE PRETO!

 

– A pobreza está na alma de cada um.

Estas foram as últimas palavras de meu pai.

A pobreza não estava na alma, estava em nossos bolsos e naquela casa velha e poeirenta, naquele armário sem roupa e na geladeira sem comida. A pobreza estava na morte daquele pai moribundo, jogado no corredor de um hospital qualquer. Mas o velho nunca entendera. Se contentou a vida toda com o trabalhinho medíocre, com as idas à igreja todo o domingo e com aquelas tardes chatas lendo sua enorme montanha de livros. Com conseguia ser feliz?

Segui o meu caminho, sem o último parente que me restava. Os dias, que eram cinzentos e sem graça, passaram a um breu mórbido assustador. Nada me animava, aquelas pessoas me irritavam cada vez mais, o meu chefe rabugento e a sua lojinha ridícula me causavam náuseas.

Nas horas em que não estava sendo explorado por ele, ficava em casa remoendo todas as lembranças tristes. Queria esquecer o abandono de minha mãe, o pai morto, a falta de amigos, de brinquedos, queria apagar tudo isso da minha mente.

Era noite, e caminhei até a casa do meu chefe. Eles tinham viajado para a praia, e eu sabia que aquele muquirana guardava muito dinheiro. Abri a porta com um canivete, muito silenciosamente para nenhum vizinho despertar. Procurei por todo lado e claro! Lá estava, embaixo do colchão. Levei tudo e sumi.

Fui para Los Angeles, a cidade dos meus sonhos. Aluguei um quartinho, comprei roupas novas que me deixaram com um aspecto diferente.

Comecei a freqüentar os cassinos mais badalados, queria conhecer pessoas diferentes, ricas. Iniciei com lances pequenos. Mas eu tinha sorte! Quase sempre ganhava e via a admiração nos rostos de todos. Apostava cada vez mais.

Tudo ali me encantava, ficava alucinado com as mulheres cobertas de diamantes que ofuscavam a minha visão, os homens com o peito estufado, conversando sobre a bolsa e apostas milionárias, o champanhe borbulhante e os charutos cubanos. Tudo isso tinha cheiro, tinha gosto, fazia os meus olhos brilharem. Tudo marcava a diferença entre o antes e o agora. Ali eu me encontrava e seria feliz.

Acordava tarde, comia algo na rua e corria para o cassino louco por mais um dia de alegria.

Certo dia, o olhar de Mirela se cruzou com o meu. Foi mágico. Ela era linda, mais linda que todas as outras que andavam por ali, mais linda que tudo que havia visto. Tinha um ar altivo, mas humilde, trajava roupas finas, que ao mesmo tempo transpareciam a sua simplicidade e bom gosto. Parecia flutuar em vez de andar e, a cada pestanejar ou sorriso, eu me encantava mais e mais. Ela também olhava para mim, de soslaio, para não chamar a atenção do barrigudo que a acompanhava.

Agora tinha mais um motivo para voltar todas as noites ao cassino: Mirela.

Logo arranjei um pretexto bobo para me aproximar dela. Os olhares se tornaram mais intensos, trocamos duas, três, quatro palavras, depois encontros furtivos em cantos escondidos, até que ela foi parar em meu quarto. Foram as noites mais perfeitas da minha vida, momentos inesquecíveis, era tudo que sempre procurei. Um dia perguntei qual a relação dela com o homem que a acompanhava. Era seu pai, e ele não poderia jamais saber de nós dois. Queria alguém com futuro para sua filha, e eu não alcançaria jamais os requisitos de bom partido. Mas isso não me importava, era apenas um detalhe, poderia ganhar uma grande quantia no jogo e fugir com Mirela. Nunca saberiam onde estávamos e viveríamos ricos e felizes para sempre. Ela não concordava com as minhas idéias de riqueza e soberba, me dizia que eu deveria arranjar um trabalho e construir uma vida honesta, só dessa maneira ela ficaria do meu lado. A principio eu não dava ouvidos, achava que ela, por ter sido rica a vida toda, pensava que arrumar um trabalho e uma vida honesta era a coisa mais simples do mundo. E sempre que ela falava desse jeito, lembrava de meu pai e das suas idéias medíocres. Mas pouco a pouco, fui me deixando levar pela sua maneira simples e pelo seu jeitinho de menina. Cogitei a hipótese de trabalhar e de deixar a vida no cassino.

Os dias seguiram, os encontros eram cada vez mais freqüentes. Promessas de amor entrecortadas por apostas mais arriscadas. Estava ganhando muito dinheiro. Eu dava a Mirela jóias, pefumes, levava-a às lojas mais caras e percebia o brilho no seu olhar. Por mais humilde que fosse, nenhuma mulher resistiria a tanto luxo e conforto.

Milhares de olhares sobre mim, eu suando frio, os outros apostadores também. Senti, logo pela manhã, que naquele dia tudo iria mudar. Daria o golpe de misericórdia, ganharia muito, muito, muito dinheiro.

Mudaria a minha vida para sempre e levaria o meu amor comigo. Nunca mais pisaria no cassino, apesar dos momentos bons que me proporcionara. Eu sabia que, se eu continuasse, a sorte poderia mudar e eu perderia tudo que conquistara.

Sete preto. A aposta da minha vida. Passaram-se milhões de anos enquanto aquela roleta girava, girava, girava. As minhas mãos estavam frias, o meu coração pulsava, minha cabeça chegou a doer de tanta ansiedade.

– Sete preto!!!

– Sete preto, é meu, sou eu!!!!!!

Ganhei, ganhei, não tinha palavras, a emoção tomou conta de mim, eu pulava, gritava, abraçava todos a minha volta. Voltei vinte anos e me vi pequeno e triste, olhando para os brinquedos dos outros meninos, sem poder tocar. Agora eu tinha, eu podia! Desejei que o meu pai voltasse, daria a ele uma vida nova. E a minha mãe? Ficaria arrependida de ter ido embora, se soubesse que é mãe do mais novo milionário da cidade. Um milhão de dólares, não sei nem contar esse dinheiro, não consigo imaginá-lo.

Mirela. Precisava encontrá-la, onde estava que não me viu ganhar? Agora sim, agora sim! Era um homem completo, tenho a mulher e a vida com que sempre sonhei. Vamos viajar, conhecer todo o mundo, gastar e gastar, criar os nossos filhos com o máximo de conforto e dar a eles tudo que sempre desejei, mas nunca tive.

Ali está, com o pai. A hora é agora, vou me apresentar, dizer que acabo de ganhar um milhão, que quero a mão de sua filha e ele que se dane se não concordar. Sou rico! Posso tudo!

Os dois estavam numa conversa animada, nem me viram chegar. Ela estava feliz, com certeza já sabia que o seu amor estava milionário.

– Viu como o meu palpite estava certo? Esse vai ser o melhor golpe de nossas vidas!

– Agora é só casar com o babaca, fazer o meu papel de esposa maravilhosa, e oops! Ele morre tomando vinho, e nós?! Vivemos felizes para sempre!

– Um brinde ao seu futuro marido Mirela, e que venham muitos mais.

– Um brinde papai!

Os dois riram com prazer e se beijaram. Beijaram. Os dois se beijaram. Não eram pai e filha, não eram ricos, ela não me amava e me achava um otário.

Mesmo com as minhas roupas caras, mesmo com um milhão no bolso, ela me achava um otário e queria me matar. Como não percebi? Estava ali, o tempo todo, na minha cara, as evidências praticamente gritavam para que eu percebesse que era uma farsa.

A mulher que eu idolatrava, que eu amava, a mulher que eu cuidaria pelo resto da minha vida, que faria feliz, a mulher com quem eu realizaria todos os meus sonhos. Ela que me permitiu esquecer aquele passado.

Eu estava rico, mas mais pobre do que nunca. Em uma pobreza pior que a de antes, me corroia por dentro. Eu olhava em volta e tudo me causava náuseas, aqueles cheiros me enjoavam, e aquelas pessoas pareciam de plástico, falsas, irreais. Me lembrei de meu pai, com a sua cara adoentada, mas feliz, sentado em seu cadeirão velho lendo milhares de livros. Me lembrei que tudo nesse tempo era ensolarado, que as pessoas sorriam na rua, com sorrisos verdadeiros. Éramos todos iguais, éramos todos pobres, eram todos felizes. Menos eu. Nunca fui e nunca serei.

Caminhei meio zonzo para fora do cassino, joguei o cheque e ele foi voando por aí. Entrei no meu quartinho e me enforquei. Morri, como o meu pai moribundo, jogado no corredor de um hospital qualquer.

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Tais Medici (mudança de ponto de vista)

Posted by epifabiconia em junho 20, 2008

A velha partida

Meus olhos já estavam velhos, cansados dessa vida. Mas, apesar de todos esses anos, eu ainda enxergava bem, muito bem. E, ao olhar para meu neto, o que eu via era um jovem com um longo caminho a trilhar, mas aflito, sem uma direção.

Cedo ficara órfão, e assim, aos meus cuidados. Queria proteger-lhe de tudo que pudesse representar algum mal, ou que desviasse sua boa conduta. Zelava por esse rapaz a cada minuto. Nunca deixei lhe faltar um conselho, um carinho, uma refeição, remédios e beijos de boa noite.
Pensava estar fazendo a coisa certa, até que ele me disse, meio sem jeito, que estava partindo para uma viagem. Não mencionou quando partiria e quando voltaria, muito menos o seu destino. Algo me dizia que era uma partida para sempre. Desde então, não consegui relaxar.

Sentava, levantava, caminhava agitada pela casa. Procurei meu neto pelos cômodos. Encontrei-o fazendo as malas no quarto. Pé por pé, me aproximei e toquei seu ombro direito, em sinal de carinho. Ele sentiu-se incomodado com esse gesto. Mirei profundamente seus olhos, com ternura. Não havia nada para dizer. Terminei de arrumar a mala. Posicionei cuidadosamente as peças de roupa, as meias, calçados, cada pertence. Não os veria mais.

Com o resto de orgulho que me restava, saí da peça antes que lágrimas de tristeza e de angústia caíssem pelo meu rosto. A cada minuto, sabia que nossa convivência estava terminando. Nova angústia dentro do peito. Novamente fui até seu quarto. Abri a porta e vi o jovem deitado. Arrisquei perguntar se estava acordado. Me aproximei mais e suavemente o cobri com o edredom. Dei-lhe um costumeiro beijo de boa noite e deixei-lhe só.

Enquanto terminava meus afazeres na cozinha, pensava se o menino, que eu criara desde bebê, me abandonaria desse jeito. Sem ter para onde ir, sem festinha de despedida, sem palavras bonitas de agradecimento para a avó. Ele não sabia demonstrar sentimentos muito bem. Se é que tinha algum.

A escuridão tomava conta da noite. Apesar das altas horas, não tinha sono. Deitada na cama, remexia-me sempre. Ao fechar os olhos, via a imagem da bela criança que meu neto era, e do adolescente em que se transformara. Por outro lado, poderia ser hora mesmo de ele ter seu próprio espaço. E, com esse ultimo pensamento, adormeci.

Perto do raiar do sol, acordei com o som de passos pelo corredor. Hesitei um momento: levantar ou não. Decidi-me pela primeira. Ainda envolta pelos edredons, caminhei lentamente até a porta e o vi parado ali. Parado como que esperando que eu aparecesse. Senti um ímpeto de abraçar-lhe bem forte, mas não o fiz. Ele veio até mim, beijou minha testa e deu um leve sorriso.

Olhou rapidamente a casa onde morara por tanto tempo e virou-se para sair. Nesse momento, lançou um olhar para a mesa da cozinha. A mesa que eu preparara com a nossa toalha branca (toalha dos aniversários, como eu chamava), na esperança de ter um último café da manhã com meu neto.

Nessa hora deixei as lágrimas caírem livres, pois não era apenas a data de sua partida.

(Texto baseado no conto A Partida, de Osman Lins)

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Bruna Meneghetti (mote Tcheckov)

Posted by epifabiconia em junho 18, 2008

LUCIDEZ

Jack e eu éramos amigos há anos. Costumávamos matar aula juntos desde os nove anos de idade. Aos quinze, fugíamos de casa à noite para ficar na esquina de uma rua muito movimentada, bebendo uísque, rindo. Durante anos fomos companheiros inseparáveis. Hoje vejo que não passávamos de dois jovens estúpidos e inconseqüentes. Levei anos para admitir isso, porém, me sinto um pouco envergonhado ao dizer que não me arrependo de nossas loucuras.

No dia de meu aniversário de 18 anos, Jack, eu e uns amigos combinamos de sair da escola e ir comemorar em algum lugar. Idéia do Jack. A maioria das coisas que fazíamos eram idéias do Jack. Por mais que, às vezes, eu as achasse meio perigosas. Ele me encorajava. Eu o admirava. Queria ser como ele.
Estávamos ansiosos para chegar ao bar de que tanto ouvíamos falar. Ouvíamos ELE falar. Todos nós sabíamos que o lugar era “barra-pesada”. Meu melhor amigo disse que tinha uma surpresa. Descemos de meu carro e parecíamos nos dirigir a outro mundo. Percorri com os olhos o estabelecimento. Paredes escurecidas, manchas de sangue, pessoas mal-encaradas. Eu estava pasmado. Era o underground. E nós, jovens de classe alta e discernimento baixo.

A primeira coisa que fizemos, depois de sentar e pedir doses de uísque, foi colocar umas moedas naquelas máquinas caça-níqueis. Ganhamos. Repetimos a aposta. Novo êxito. Depois de algumas jogadas, e tendo muito dinheiro no bolso, Jack anunciou que era hora de revelar a surpresa. Choque. Ele tirara do bolso meia dúzia de pequenos pacotinhos brancos. Eu sabia o que era, já tinha visto muita gente cheirando. Estava receoso, mas curioso. Jack, como sempre rindo, chamou-me de estraga-prazeres quando me mostrei hesitante. Eu sentia um misto de emoções. Medo e uma vontade louca de ver como era. Excitação e apreensão. Eu queria cheirar. E era incitado pelo grupo, principalmente por Jack.

Passamos a noite lá, cheirando e bebendo como loucos. O dinheiro? Nunca foi problema para nós. Menos ainda quando descobrimos o quão divertido e arriscado era apostar. Ora ganhávamos muito, ora perdíamos tudo. Não tínhamos problemas e, muito menos, responsabilidade. Depois daquele dia, nada mais tinha graça sem aquele pó branco, que parecia dominar Jack e, confesso, a mim.

Jogávamos em cassinos, bingos, máquinas caça-níqueis, sempre querendo ganhar mais e mais, e cheirar mais e mais. Todo dinheiro que tínhamos era gasto em cocaína, ou em mais jogos. Os amigos não queriam mais andar conosco. Alertavam-nos sobre como estávamos agindo estranho. Eu quase não dormia. Qualquer coisa me deixava irritado. Ficava muito agitado, não conversava mais com minha família. Aliás, meus pais e irmãos não percebiam nada; para eles, só dinheiro e negócios eram levados em consideração. Eu acreditava que todos estavam contra nós apenas por ciúme de minha amizade com Jack. Não enxergava que estávamos viciados. Em cocaína, festas, jogos. Eu era totalmente dependente dele. Não fazia nada sozinho. Era quase uma obsessão.

Tinha a impressão de que era tudo normal. “Aproveitar a vida” era só o que passava na minha cabeça. Só ao lado de Jack conseguiria aproveitar da maneira certa. A droga acaba com a noção da realidade de algumas pessoas. Acabou com a nossa. Chegamos ao ponto de não falar com mais ninguém além de um com o outro. Anos se passaram e mantivemos aquele ritmo frenético, sem medo das conseqüências. Com vinte e um anos resolvemos viajar, nada mais nos atraía naquela cidade, tudo nos entediava, e Las Vegas era muito próxima. Imaginávamos aqueles cassinos luxuosos, pessoas diferentes, dinheiro fácil e, com isso, toda a droga que quiséssemos. A animação quase tomava conta de nós, só não o fazia por um detalhe: a cocaína é que tomava.

Nos primeiros dias, foi tudo como imaginamos. As festas iam até o amanhecer, regadas a muita bebida, drogas, gente alucinada. No quarto de hotel, tudo estava jogado no chão; e bebidas, derramadas por todos os lados. Durante um mês vivendo no caos, resolvemos partir para o “tudo ou nada”. Apostas altíssimas em que se pode ganhar toda a mesa ou perder tudo. Cada um fez seu jogo. Apostamos uma quantia absurda e esperamos o resultado. Inacreditável. Jack ganhara. Uma quantia mais absurda ainda. Um milhão de dólares. Fomos comemorar!

Depois de umas garrafas de uísque, Jack balbuciou algo inaudível e se retirou. Eu sentia que havia algo estranho com ele. Naquela noite eu não conseguia fazer nada, estava anestesiado pelo álcool e perturbado pelas drogas. Na manhã seguinte, quando cheguei ao quarto do hotel, encontrei algo de que nunca me esquecerei. O corpo de Jack. Ao seu lado uma garrafa de uísque, de uma arma e de uma carta. Das palavras nela contidas já não me recordo muito bem, mas uma frase escrita por ele antes de tomar aquela decisão me vem na cabeça sempre que lembro minha fase rebelde: “não quero mais continuar nessa vida sem sentido, seus lunáticos…”. Fiquei indignado. Como ele pôde? Acabar com a própria vida e me deixar! Sem rumo, sem amigo, drogado e abandonado! Ele tivera o momento de lucidez de sua vida, escrevera as palavras que eu precisava ler e, uma vez ao menos, ajudou-me a reconhecer que passara dos limites. Eu queria viver. E só poderia fazê-lo acabando com aquilo tudo.

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Rodrigo Petruzzi (diálogo)

Posted by epifabiconia em maio 30, 2008

ORDEM DIVINA

 

Deus encontrava-se no centro do tribunal. Ao seu lado direito, Adão; à sua esquerda, Eva. O Todo Poderoso ordena silêncio, e todos se calam. Com a palavra, anjo Gabriel:

G – Estamos começando o julgamento 3466, em que os réus Adão e Eva serão julgados por serem os primeiros ascendentes de uma raça que está destruindo o Planeta. Que seja iniciado o processo.

Adão olhou para Eva, que continuava com os olhos fixos nos jurados. Deus tomou a palavra:

D – Adão, você cometeu um grande erro. Desrespeitou os primeiros mandamentos e, como conseqüência, proliferou a raça humana. Esta, por sua vez, está causando cada vez mais danos a minha obra prima mor, o planeta Terra. O senhor tem algum argumento contra este fato?

A – Pai, não tive culpa alguma. A noite estava linda e quente, eu estava deitado sobre a grama na planície, sendo acariciado por uma leve brisa, quando Eva chegou. Colocou a mão em meus cabelos, sentou sobre mim e, bom, o senhor já sabe do resto. Mas a culpa é toda dela!

E – Mas era só o que me faltava! Senhor! Não acredites em nenhuma palavra dita por este cafajeste! Deixa eu contar a minha versão da história. A noite estava horrível, um calor de matar. Eu estava sentada sob uma árvore quando vi Adão se aproximando. Ele já havia tentado me agarrar antes, mas dessa vez não consegui escapar. Ele veio com o pretexto de que queria apenas comer uma maçã que estava no topo da árvore e pediu minha ajuda para subir no tronco. Quando segurei ele, ele me segurou mais forte e…

A – Rá rá rá, sempre nessa história de tu seres o centro das atenções. Tu tens que deixar de ser tão egocêntrica!

E – Eu, egocêntrica?! Não tenho culpa se Deus me fez assim, linda, maravilhosa.

D – Opa, eu não fiz nada. Não me põe no meio disso.

A – Admite Eva, tu não resistes ao meu abdômen quadriculado, meu bíceps definido. És gamada em mim.

E – Eu gamada em ti?! Deus que me perdoe!

D – Eu perdôo a todos, Eva… Perdôo a todos… Mas vamos voltar ao tópico principal do julgamento. Por favor, anjo Damião, traga nossa primeira testemunha.

Damião ausenta-se por um momento e, quando retorna, anuncia:

Damião – Apresento ao tribunal a testemunha Adolf Hitler, vinda diretamente do inferno.

E – Ainda com esse bigodinho, que brega..

A – Pshhh! Eva! Quer piorar nossa situação?!

D – Silêncio! Eu pedi para você, Adolf, comparecer perante este tribunal para provar aos réus que os frutos deles serão a pedra fundamental para a aniquilação do planeta. Diga a eles o que você fez…

AH – Eu lutei por meu ideal: apenas a raça ariana deveria viver na Terra. Morte aos negros e judeus. E não vá me dizer que o senhor não concorda, olhe para Adão. Parece um alemão puro…

A – Por favor, Deus, não leve em consideração o que ele diz. Ele é uma exceção, um louco entre milhares.

E – É, e olha o bigodinho dele.

A – Cala a boca, Eva! Senhor, peço que deixe entrar a nossa testemunha de defesa.

D – Está certo, Hitler pode voltar para o inferno, e vê se corta esse bigode viu? A testemunha de defesa pode entrar, por favor.

Acompanhado por Damião, entra no tribunal Martin Luther King.

D – Senhor Martin, você aceitou o pedido de ser testemunha dos acusados. Justifique por que eles não devem ser punidos pela reprodução da raça humana.

M – Eu tenho um sonho,…

E – Aí, esse cara não muda o repertório? Sempre essa coisa de “i have a dream”! Eu te falei Adão, Mahatma Gandhi tava “dando sopa” lá no paraíso, era só falar com ele.

D – Senhorita Eva, mais uma interrupção inoportuna e eu vou ter que pedir sua retirada deste julgamento! Continue Martin…

M – Bom, agora que fui interrompido, vou abrir um parêntese. Não pude deixar de escutar as palavras de Adolf Hitler, e elas me fizeram pensar. Por que não fizeste Adão negro?

D – Que?!

M -Isso mesmo. Por que Adão é este homem loiro de olhos azuis, alto, forte e não um negro esbelto, de cabelos crespos e dentes reluzentes?

D – Bom, eu nunca havia pensado nisso e..

M – O Senhor é racista?

D – Martin Luther King! Tenha respeito com Deus!

M – Não, isso é apenas é um aviso, por que se o senhor é racista, fique sabendo que estou formando um grupo anti-racismo, os Panteras Negras Angelicais, que estão dispostos a lutar a todo custo pela igualdade racial.

D – Isso é um insulto ao reino dos céus! Senhor Martin Luther King, você está condenado a ficar 3 semanas nos mármores do inferno! Por favor, levem ele.

Enquanto era carregado por 3 anjos, Martin gritava:

M – É só por que eu sou negro! Eu sabia!

O tribunal fica em silêncio por um tempo, Deus toma um gole de água e volta a falar:

D – De agora em diante, não teremos mais testemunhas. Esse julgamento já se estendeu demais e serviu apenas para provar que vocês humanos não estão prontos para uma convivência harmoniosa.

E – Sim. Deus traz um assassino psicopata; Adão, um negro com mania de perseguição. Se este mundo fosse feito apenas de Evas tudo seria mais perfeito.

D – Adão, ela é sempre assim?

A – Não, quando ela compra uma folha de palmeira nova ela fica mais calma.

D – Ah, bom. Voltando, então temos duas versões diferentes da história, portanto algum de vocês está mentindo e isso apenas reforça minha idéia sobre os humanos. Qual de vocês está falando a verdade?

E – Eu.

A -Ela.

D -Ela?

A – Sim. Eva contou a verdade. Menti no início por que estava nervoso, mas tenta me entender Deus. Fiquei durante anos sozinho no paraíso e, quando o Senhor arrancou de mim uma costela e criou Eva, não tive como me conter. Olha pra ela, corpo definido, bunda empinada, seios que parecem dois melões maduros. Quando vi uma mulher assim, não pensei duas vezes, fui lá e pimba!

D – Sabe que nunca tinha reparado?

E – Deus!? Até o senhor?

D – Desculpa Eva, mas tenho que concordar com Adão. Você é um caminho para perdição, e terá de ser punida.

E – Mas isso é injusto! Não posso ser julgada sob esse pensamento machista.

D – Anjos, levem Eva para o cárcere. Semana que vem definiremos sua pena. Julgamento encerrado.

Eva é levada aos prantos pelos anjos, enquanto Deus se aproxima de Adão e comenta:

D – Mandou bem filhão, puxou o pai hein…

A – Que é isso pai, tu ainda não viu nada. Tive uns lances com uma tal de Maria há uns tempos atrás…

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Vanessa Silva (mudança de ponto de vista)

Posted by epifabiconia em maio 30, 2008

BRINCADEIRA DE GENTE GRANDE

 

Depois de tanto tempo tentando criar coragem, estava decidida: seria naquela noite! Eu sempre achei estranho o fato de ter me apaixonado por alguém tão mais velho. Talvez fosse a experiência, pois apesar de ele não ter sido bem sucedido em sua vida, eu tinha me interessado por ele desde o princípio.

            Desde menina ouvia dizer que os padrinhos são como nossos segundos pais e, por isso, sempre fui muito ligada ao dindo Morales e à dinda Marisa.  Era sempre assim: toda quarta-feira eles iam para minha casa. Primeiro, os homens assistiam ao futebol na televisão, enquanto as mulheres ficavam na cozinha preparando o jantar. Depois, meu pai e meu dindo iam para o quintal, onde passavam a noite toda bebendo e conversando. A dinda não agüentava muito e sempre ia embora antes, pois nunca aturou as bebedeiras do Tio Morales.

            Nas últimas vezes que isso aconteceu, eu comecei a perceber uma certa mudança de comportamento de meu dindo. Ele me olhava de um jeito diferente e ficava durante horas no meu quarto, conversando comigo sobre todos os assuntos. Só saíamos de lá na hora do jantar. Ele estava quebrando o ritual de anos para ficar de conversa com uma pirralha de 11 anos. Algo estava acontecendo, e eu esperava estar sendo correspondida.

A situação começou a ficar estranha. A Tia Marisa não aparecia lá em casa fazia um mês, e todas as vezes em que o Tio Morales aparecia aconteciam discussões entre ele e meu pai. Eu não podia perder a oportunidade, porque do jeito que as coisas estavam se encaminhando, logo eu perderia o contato com ele. Eu precisava ser rápida.

Então, tive uma idéia. Naquela semana, durante a nossa conversa, eu me declararia. Diria que não agüentava mais ser considerada uma filha, e que queria muito que ele esperasse eu crescer, pra gente poder ser feliz junto. Era isso, nada poderia dar errado.

Havia chegado o dia. Escolhi a roupa com antecedência, tinha que ser a peça menos florida e infantil do meu guarda-roupa. Ele precisava me ver como uma mulher, e não apenas uma criança. Depois de arrumada, pedi a meu pai que me avisasse assim que ele chegasse.

          Por que tanta empolgação, menininha?

          Ahn, hum… é que eu escrevi algo que tenho certeza que o Dindo Morales vai gostar!

          Escreveu algo, é? Deixe-me ver, Flavinha.

Eu tive certeza que meu pai estava desconfiado de algo. Ele não podia estragar tudo.

          Eu escrevi algo para ele papai, não posso mostrar.

E então, sai correndo dali, antes que meu pai insistisse mais. Enquanto esperava, fiquei pensando na forma de dizer tudo que estava sentindo. Ele me acharia uma boba? Diria que eu estou confundindo as coisas e que, por ser muito nova, não sei distinguir sentimentos? Eu esperava que não.

Escuto alguém bater na porta do meu quarto e, ao abri-la, me deparo com ele. Ele parecia mais gordo do que o usual e a barba estava por fazer, mas ainda mantinha o mesmo encanto de sempre. Depois de trocarmos algumas palavras, ele quis saber o que eu tinha que mostrar pra ele. Meu pai tinha que ter falado? Era chegada a hora, eu não tinha mais como fugir disso.

Depois de falar tudo que estava sentindo, a reação dele foi a mais estranha possível. Ele disse que eu estava confundindo tudo e que era muito nova pra entender desse tipo de coisa. Então, me deu um beijo na testa e retirou-se.

Não, não. As coisas não podiam terminar tão rápido assim. O resto da noite foi como nos velhos tempos. Após o jantar, ele e meu pai foram para o jardim beber e conversar. Eu percebia que ele evitava até mesmo me olhar, mas eu não conseguia aceitar isso. Então, aproveitando que todo mundo estava do lado de fora da casa, em uma das vezes que ele foi ao banheiro, chamei-o no meio do corredor:

          Quer dizer que nada vai mudar entre nós?

          Flavinha, Flavinha… Você está confundindo tudo. Não brinca com coisa séria, menina.

          Não tem ninguém brincando aqui. Eu quero mesmo estar contigo. E eu sinto, que tu também quer. Eu vou esperar, não importa o tempo que for.

Eu sabia que tinha conseguido mexer com ele, nem que fosse um pouquinho. Agora era apenas uma questão de tempo, e ele logo viria até a mim, para dizer que tinha mudado de opinião sobre nós. E não demorou muito.

Naquela noite mesmo, ele veio falar comigo. Disse que não podia se envolver com alguém tão mais nova. 40 anos nos separavam. Ele podia ser meu pai, até mesmo meu avô! Mas o fato é que não era. Ele era o príncipe encantado de meus sonhos. E eu queria estar com ele.

Após escutar isso, em uma das vezes que ele foi até a cozinha buscar cerveja, eu o puxei pela mão. No pátio de casa, um beijo aconteceu. Um beijo rápido e escondido.

Imediatamente, Morales afirmou que aquilo tudo era um grande engano. Ele era casado, e nossa diferença de idade era grande demais para sustentar uma relação. Pediu desculpas, e prometeu que aquilo não voltaria a acontecer.

Como assim? Se aquilo era exatamente o que eu tinha sonhado no último ano. Ficamos mais um tempo ali, sem trocar alguma palavra. Ele sentou na grama, mas continuou mudo. Pouco depois, ele adormecera.

            Fui para o meu quarto certa de que essa situação não ficaria assim. Quem ele pensava que era pra brincar com meus sentimentos? Todos ficariam sabendo que ele tentou me agarrar. Logo eu, que sempre o considerei um pai.

            Após conversar com meus pais no outro dia e contar toda minha versão para aquela história, percebi que a situação tinha fugido do meu controle. Meu pai ficou uma fera, queria a todo custo denunciar meu dindo por assédio sexual. Ele gritava para todo mundo ouvir que “queria aquele monstro na cadeia”. 

            Então, minha mãe sugeriu que deveríamos resolver esta questão em família, e nos encaminhamos até a casa de meus padrinhos. A meu favor, eu tinha o fato de nunca mentir pra ninguém. Era a minha palavra, sempre verdadeira, contra a palavra de alguém que tinha bebido mais do que o limite e que por isso não lembrava de nada.

 

 (Texto baseado no conto Pequenos Prazeres, de Ricardo Morales)

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Priscila Zimmer (diálogo)

Posted by epifabiconia em maio 19, 2008

 

MELHOR FAZER O QUE ELE DIZ

 

            Eva, de avental, se preparava para fazer o jantar quando chegou Adão com uma mão suja de sangue e, segurando na outra, a galinha que acabara de matar.

 

Eva: Ah, não, pode levar essa galinha lá para fora para limpar, vai sujar toda minha cozinha!

Adão: Pô, ralo o dia todo, trago comida e ainda sou escorraçado. É isso que recebo em troca do meu sacrifício.  A janta já tá pronta, pelo menos?

E: Claro que tá. Só faltam o Caim e o Abel que devem estar brincando lá na rua. Esses guris estão impossíveis.

A: Tá, vou lá chamar.

 

            Abel entrou correndo seguido de perto por Caim que tinha os olhos arregalados, mostrava os dentes e o machado na mão. Adão observou tranqüilamente essa cena rotineira e sentou-se à mesa.

 

E: O que é isso guri? Larga já esse machado e vai lavar as mãos pra jantar. Ai, Adão, tem que conversar com o Caim, um dia ele acaba matando o irmão. Outro dia peguei ele tentando amarrar uma corda no pescoço do Abel enquanto dormia. Não sei a quem puxou. Tu, como pai, devia falar com ele sobre essas coisas.

A: E eu não sei? Mas é tu que fica em casa, mulher. Se alguma coisa acontecer vai ser culpa tua. Tu que mima demais esses guris. Mas, não sei… esse guri é muito esquisito, não sei se é meu filho mesmo, como tu disse, não teria a quem puxar.

E: Como assim não é teu filho. Tá louco? Esqueceu que somos os únicos aqui na terra? Nem se eu quisesse poderia ter te traído!

A: Sei não… tu ficou um tempão conversando com a serpente enquanto eu não tava junto. Sabe-se lá o que aconteceu nesse meio tempo.

E: Ah, só me faltava essa! Nem sendo a única mulher, com o único homem no mundo escapo de um acesso de ciúmes.

 

            Eva conferiu a limpeza das mãos das crianças, que acompanharam os pais à mesa. Todos juntaram as mãos e rezaram pelo alimento recebido e pela harmonia da casa. Depois da refeição, mais uma oração. Após o “Amém”, a casa toda tremeu e ouviu-se um vozeirão vindo do céu.

 

Deus: Óóóóóó de caaaaaasaaaaaaa!

E: Nossa, é ele!

Abel: Que é esse?

Caim: Com essa voz bem que deveria ser locutor de rádio.

E: O que é isso, guri? Que locutor de rádio? Esse é o Criador.

A: O Onipotente.

E: O Onipresente.

A: O Alfa.

E: O Ômega.

A: O Início.

E: O Fim.

Deus: Deixem de ser tão hipócritas! Vocês vêm com essa lenga-lenga de “Onipotente”, “Onipresente” e nem os filhos de vocês sabem quem eu sou. Eu sou “aquele cara” para quem vocês fazem oração, Caim.

Caim:  Ah! É o Deus.

Deus: Sim, sim, esse mesmo. Vim ver se vocês precisam de alguma ajuda.

A: Ajuda, ajuda como?

Abel: Tem a louça do almoço para lavar ali, ó!

E: O que é isso, guri? Deus lavar a louça! Que falta de respeito, não se fazem mais filhos como antigamente.

D: Tudo bem, Abel, vou lavar a louça.

A: Mas, Senhor… o senhor não veio aqui para lavar louça, certo? Qual a razão dessa visita inesperada?

D: Visita inesperada… pois é, talvez seja esse o motivo, não quero mais ser uma “visita inesperada”. Eu quero que vocês me deixem morar aqui.

Caim: Ah não, no meu quarto é que ele não pode ficar, mãe! E se ele roncar?

Abel: Pode dormir no meu, pode dormir no meu! Eu divido meus brinquedos também!

E: Como assim, morar aqui? O senhor não tem todo o céu para morar? Nos expulsou do Paraíso e ainda quer que a gente divida a casa com o senhor!

D: É, mas eu tenho visto que vocês andam com problemas de relacionamento. São os únicos da face da Terra e ainda brigam!

A: É, mas é esse o problema! Somos os únicos, não tem como fugir, temos que ficar 24h por dia juntos! Não dá nem para dar uma fugida para o bar!

E: Eu gosto de ficar com a minha família, mas eles vivem reclamando e arrumando coisas para fazer e não prestam atenção um nos outros.

Caim: O Abel é sempre o mais bonzinho, se eu fosse filho único não teria que competir com ninguém!

Abel: É! Ele não gosta de mim!

A: Olha, Deus, não nos leva a mal, mas não queremos mais um para participar das discussões.

E: É, mais um para comer, entrar com os pés sujos, deixar toalha molhada em cima da cama…

Caim: É, mais um que vai querer saber se tomei banho, lavei as mãos, penteei os cabelos…

D: Chega! Ou eu moro aqui ou pego mais uma costela do Adão e invento a sogra!

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Natália Kern (diálogo)

Posted by epifabiconia em maio 19, 2008

 IMAGINA SE TIVESSE SIDO ASSIM

  

Eva – Ai, eu não concordo.

Deus – O que tu não concorda dessa vez?

Eva – Não entendi por que ele tem que ser bem maior que eu…

Deus – Como assim, Eva? Eu já te expliquei…

Eva – Eu sei, mas eu não entendi! Para mim, tem que ser tudo igual entre eu e ele.

Deus – Mas, mulher, tu não acha bom ter alguém para te proteger? Alguém que te defenda?

Eva – É, bom é.

Deus – Então… até porque tu é frágil. Alguém precisa zelar pela tua vida.

Eva – É, né? Eu sou frágil mesmo.

 

Deus agradece a Ele mesmo por Eva ter concordado, afinal, ela estava há horas em volta da nova criação divina.

 

Eva – Mas, Deus! Tu acha que eu vou querer que o meu protetor tenha um nariz desse tamanho? Por favor, né!

Deus – Eva, dá licença? A criação é minha!

Eva – É, mas quem vai ter que andar por aí com a ‘tuuua’ criação sou eu e não tu, esperto.

Deus – ‘Tá’, tu quer, então, que ele tenha um nariz como o teu? Pequeno, bonitinho?

Eva – ‘Iiiisso’, Deus! Agora tu me entendeu!!

Deus – E tu acha que uma pessoa com traços finos e delicados, como os teus, vai passar a imagem de protetor? De alguém forte?

Eva – Huum…não?

Deus – Não, né, Eva!

Eva – ‘Pois é’, nisso tu tem razão, mas então só diminui um pouco, assim fica do gosto dos dois, pode ser?

Deus – ‘Tá’ bom… assim está bom?

Eva – É, né… não tem tu, vai tu mesmo.

Deus – Ai ,Céus! Antes que eu continue… tu tem mais alguma coisa pra reclamar, Eva?

Eva – Acho que não…

 

Deus respira fundo, sente um alívio e recomeça a trabalhar na sua criação.

 

Eva – Só mais uma coisinha…

Deus – Céus! ‘Tô’ perdendo a paciência, Eva! Fala de uma vez! E que seja a última intervenção!

Eva – ‘Aaaai’! Que stress! Não precisa ser rude! Só quero saber se vai demorar muito para ficar pronto!

Deus – Olha, se tu continuar me ‘atucanando’ e perguntando mil coisas, vai demorar muito! Mas se tu for dar uma voltinha por aí, eu termino rapidinho!!

Eva – Eita! ‘Tá’, ‘tô’ saindo… mas olha, quanto tu tiver acabando, me chama pra eu ver, hein? Tem que passar pelo teste de qualidade aqui, viu?

Deus – ‘Tá’, Eva, ‘tá’! Sabia que eu devia ter feito o Adão primeiro!!

 

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Gabriel Silva (conto com base em notícia)

Posted by epifabiconia em maio 9, 2008

O CÉU É O LIMITE

 

5 horas do dia 9. Agora está tudo bem, mas a noite foi louca. E ainda dizem que no interior a coisa é fraca.

            Quem fala isso não ouviu o barulho dos pneus cantando, nem a sonzera que vinha de dentro do carro. Puutz, o som era novinho! E ainda nem tinham ido todas as garrafas de cerveja. Acho que aquele corte na testa da Rossana foi de uma das garrafas. Foram 15. Éramos quatro. Se minha matemática não falha, bebemos bastante.

            Eu já tinha sentido isso, mas dessa vez foi diferente. A gente bebe e, quando acorda, as lembranças são flashes. Mas eu sei que a noite foi louca. 22 horas, dia 8, sexta feira, era o dia. Ah, aquele motor 2.0. Voava. E na nave éramos eu, o Max, a Aline e a Rô. Carro de paulista que nada, a gente ia de casal. O pessoal no banco de trás tava bem empolgado. Eu também tava, sabia que a noite prometia. O destino? Primeiro o postinho pra abastecer. Álcool pra gente e gasolina pro carro. Depois? Não sei, pra mim aquele carro estacionado num lugar bem deserto já dava uma baita de uma noite. É a noite foi louca.

            00h00min do dia 9. Contagem regressiva. Pena que não nos avisaram. Mas foram quatro horas especiais. Pelo que me lembro. Os flashes não são mais da bebida. Eu sei que a gente não parou o carro num lugar deserto. Talvez porque era mais divertido brincar de ver até quanto ia aquele motor 2.0. O cara da loja não havia mentido. O possante era bom mesmo. Bom era eu. E a Aline sabia disso. Eu acelerava e olhava pra ela. O pessoal de trás tinha mais o que fazer. Eu era o maestro da noite.

            Foi só uma distração. A luz apagou. No jornal deve estar saindo que eu estava bêbado, que perdi o controle, que sou responsável. Mas foi só uma distração. Foi nessa hora que todo mundo devia ter ouvido o pneu cantando. O coração bateu mais forte. O carro virou. O coração bateu mais forte. A música parou. O coração bateu mais forte. As pessoas sumiram. O coração parou.

            Eu era o maestro. O maestro de uma orquestra que se calou para sempre.

            5 horas do dia 9. Agora está tudo bem, mas a noite foi louca. E se para mim o céu era o limite, acho que já cheguei até ele.

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Natália Silva (conto com base em notícia)

Posted by epifabiconia em maio 9, 2008

VINTE E TRÊS MINUTOS

 

“Entrega em até 23 minutos ou seu dinheiro de volta”. O garoto que fará a entrega já está com o pacote nos braços quando pensa: “só mais esse aqui”. Ele sempre gostou de andar de moto, sempre gostou de dirigir, mas nunca foi bem isso que sonhou pra si. Só mais essa entrega e ele poderia ir para casa dormir um pouco e, quem sabe, lembrar do sonho que teme ter esquecido.

Corre o tempo. O motoboy dá a partida na moto e no cronômetro, que inicia uma contagem regressiva dos 23min até seu limite final. Ele precisa chegar na hora. Ele precisa da gorjeta. Ele precisa do emprego. Infiltrando-se entre os carros, pensando atalhos, contando com a sorte, o garoto atravessa todos os cruzamentos quase que de olhos fechados. Poderia ser perigoso, seria preciso ter cuidado, mas ele só tem 18 minutos. A cada carro, cuja frente ele corta, a cada ultrapassagem imprudente que arrisca, a cada fininho que tira dos ônibus, só sente medo de não chegar logo. Ouve os tradicionais xingamentos, mas não perde tempo xingando também. Afinal, ninguém tem culpa, ninguém sabe que ele só tem mais 10 minutos. Corre e sabe que perde, de segundo em segundo, seu tempo. Deslizando entre os carros, experimenta mil manobras não permitidas e luta pelo tempo, que não tem pena de ninguém.

Então, de súbito, ele desacelera, vai andando devagar na rua da entrega. Presta atenção na numeração, que vai crescendo junto com os números do relógio. Cada vez mais, menos tempo. É ali, casa azul, 251. Na frente, uma movimentação. Restam 4 minutos. Desce da moto, apanha o pacote e aproxima-se do homem que conversa com mais dois, no portão da frente. Tem mais 3 minutos, e chega a tempo de ainda entender o que ocorria: os dois homens rendiam o senhor, dono da tabacaria ao lado. Com armas pesadas nas mãos, gritavam agressivamente. O garoto não soube o que fazer, só lhe restava um minuto: foi o tempo de tentar intervir e ser baleado. Agarrado no pacote, ainda pode ouvir o cronômetro apitar.

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