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Armando Freitas (conto: mote Tcheckov)

Posted by epifabiconia em junho 27, 2008

O Medíocre de Um Milhão

 

Juliano nunca tivera grandes ambições. Na escola, queria apenas jogar futebol. A faculdade, nunca terminara: as pressões e a insistência de seus pais fizeram com que se inscrevesse em todos os concursos públicos, até que finalmente foi aprovado. Não tinha grandes “hobbies”, tampouco grandes amigos. Não era rico, nem pobre. Vez ou outra ia à alguma festa do pessoal do trabalho. Eventualmente conhecia alguma garota com a vida tão ou mais vazia do que a dele. Terminou por casar-se com uma delas.

Assim encontrava-se Juliano: casado há tempo suficiente para estar deveras insatisfeito, com uma filha pequena que era mais apegada à mãe. E sem nada na vida além do trabalho medíocre, do casamento falido, da casa caindo aos pedaços, do futebol na televisão aos domingos e do bar, cujas visitas iam ficando cada vez mais freqüentes. Algumas dívidas ia acumulando: fizera empréstimos para cobrir os gastos do tratamento dentário da filha e do conserto do banheiro. O buraco em seu saldo bancário só crescia: sem opções, vivia de malabarismos financeiros de cartão em cartão. Tornava-se aos poucos um alcoólatra e era impelido pelos companheiros de bar a jogar no cassino – algo a ver com ser mais macho que os outros. Perdia quase sempre. Gastava muito do dinheiro já escasso. Endividava-se com supostos amigos, fazia infelizes a filha e a mulher com dívidas e com seu comportamento grosseiro. Ganhava às vezes alguma quantia que considerava respeitável, mas com isso só era impelido a jogar mais e conseqüentemente a perder.

A situação instável culminou na separação definitiva do casal. Com o tempo, até os supostos amigos o evitavam – pois devia dinheiro a eles. O trabalho era sempre igual há anos, assim como o salário, que nunca era reajustado. Precisava ainda pagar a pensão da filha. Mas não pagava, e sua ex-esposa nem reclamava mais. Havia se tornado um paranóico, cheio de manias e precauções. Certa vez comprara uma arma. Desde então, a mantinha sempre consigo, voltava pra casa andando de madrugada com ela na mão, bêbado e amedrontado com a vida. Continuava jogando no cassino, mesmo que o dinheiro agora não fosse o seu, mas o do agiota. Estava perdido. Tentara se reaprumar: certa noite, ligara a televisão e decidira seguir o tal destino traçado por Deus que aqueles pastores tanto falavam. Terminou endividado até com a igreja, sem suprir o vazio existencial que o acompanhava por anos.

Foi então que, numa dessas noites, Juliano ganhou um milhão de reais no cassino. Estava bêbado demais para entender o valor de um milhão, mas logo percebera: essa quantia pagaria suas dívidas e talvez ainda lhe sobrasse algum dinheiro para viver tranqüilo por um bom tempo. Estava feliz, havia pago uma rodada de bebidas para aqueles “amigos” que, como num passe de mágica, voltaram ao seu convívio. Agora finalmente viveria bem, pensara.

Mas logo que chegou em casa, caiu em depressão: o que faria com aquele dinheiro? Havia perdido tudo de bom que realmente tinha. A esposa nunca mais voltaria. Não possuía cultura, não fazia nada no seu tempo livre. A paranóia já o havia afastado de qualquer idéia de gastar com falsos amigos. Ligou a tevê e mais uma vez viu aquelas pessoas que, como ele, deixavam-se ser exploradas pela Igreja ou por qualquer outro parasita. Teve um ataque de riso, percebendo que sua vida de nada valera. Engasgou-se com a cerveja, sentindo nojo de si mesmo. E a arma, que por tantas vezes lhe tocara a têmpora, dessa vez disparou, entre os soluços de Juliano.

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