Epifabiconia

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Jéssica Melo (crônica)

Posted by epifabiconia em junho 27, 2008

A relação inversamente proporcional entre a esclerose e o bom gosto.

(ou “vovó e o aquecimento global”)

Depois de certa idade, as pessoas perdem seu bom gosto – às vezes, até o seu bom senso. Pra minha vó, por exemplo, não adianta falar “Rosa pink e laranja piscante não combinam”. Lá vem ela, toda sorridente, com um cachecol de tricô feito com uma lã estranha, cheio de fiapinhos prateados que brilham, umas bolotinhas, que, segundo ela, são da própria lã. E aquelas cores que, definitivamente, não condizem. “Mas, na época da tua mãe, essa era a moda”. Claro, há mais de 30 anos. E todos os invernos são a mesma coisa. “Tu não estás usando o meu presente. Não gostaste? Eu fiz com tanto amor”.

***

            A melhor invenção do século XXI certamente é o aquecimento global. O que seria de nós se tivéssemos de encarar aquele frio intenso de épocas anteriores? Minha quota de frio para este ano já estourou na semana passada, com aquela queda de temperatura que ocasionou até a primeira neve do ano no estado. Seis graus em Porto Alegre já é demais. E sem o aquecimento global, quanto seria? Zero graus? Cru-zes. Obrigado Estados Unidos por poluir a Terra. Obrigado indústrias. Obrigado madeireiros. Obrigado a todos aqueles que contribuem pela alta de nossas temperaturas. Juntemos-nos todos a uma campanha em comum “Emita gás carbônico. Transforme o seu planeta em um grande Caribe”. Pelo menos nunca mais terei de usar aquele cachecol breguíssimo da minha vó.

 

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Armando Freitas (conto: mote Tcheckov)

Posted by epifabiconia em junho 27, 2008

O Medíocre de Um Milhão

 

Juliano nunca tivera grandes ambições. Na escola, queria apenas jogar futebol. A faculdade, nunca terminara: as pressões e a insistência de seus pais fizeram com que se inscrevesse em todos os concursos públicos, até que finalmente foi aprovado. Não tinha grandes “hobbies”, tampouco grandes amigos. Não era rico, nem pobre. Vez ou outra ia à alguma festa do pessoal do trabalho. Eventualmente conhecia alguma garota com a vida tão ou mais vazia do que a dele. Terminou por casar-se com uma delas.

Assim encontrava-se Juliano: casado há tempo suficiente para estar deveras insatisfeito, com uma filha pequena que era mais apegada à mãe. E sem nada na vida além do trabalho medíocre, do casamento falido, da casa caindo aos pedaços, do futebol na televisão aos domingos e do bar, cujas visitas iam ficando cada vez mais freqüentes. Algumas dívidas ia acumulando: fizera empréstimos para cobrir os gastos do tratamento dentário da filha e do conserto do banheiro. O buraco em seu saldo bancário só crescia: sem opções, vivia de malabarismos financeiros de cartão em cartão. Tornava-se aos poucos um alcoólatra e era impelido pelos companheiros de bar a jogar no cassino – algo a ver com ser mais macho que os outros. Perdia quase sempre. Gastava muito do dinheiro já escasso. Endividava-se com supostos amigos, fazia infelizes a filha e a mulher com dívidas e com seu comportamento grosseiro. Ganhava às vezes alguma quantia que considerava respeitável, mas com isso só era impelido a jogar mais e conseqüentemente a perder.

A situação instável culminou na separação definitiva do casal. Com o tempo, até os supostos amigos o evitavam – pois devia dinheiro a eles. O trabalho era sempre igual há anos, assim como o salário, que nunca era reajustado. Precisava ainda pagar a pensão da filha. Mas não pagava, e sua ex-esposa nem reclamava mais. Havia se tornado um paranóico, cheio de manias e precauções. Certa vez comprara uma arma. Desde então, a mantinha sempre consigo, voltava pra casa andando de madrugada com ela na mão, bêbado e amedrontado com a vida. Continuava jogando no cassino, mesmo que o dinheiro agora não fosse o seu, mas o do agiota. Estava perdido. Tentara se reaprumar: certa noite, ligara a televisão e decidira seguir o tal destino traçado por Deus que aqueles pastores tanto falavam. Terminou endividado até com a igreja, sem suprir o vazio existencial que o acompanhava por anos.

Foi então que, numa dessas noites, Juliano ganhou um milhão de reais no cassino. Estava bêbado demais para entender o valor de um milhão, mas logo percebera: essa quantia pagaria suas dívidas e talvez ainda lhe sobrasse algum dinheiro para viver tranqüilo por um bom tempo. Estava feliz, havia pago uma rodada de bebidas para aqueles “amigos” que, como num passe de mágica, voltaram ao seu convívio. Agora finalmente viveria bem, pensara.

Mas logo que chegou em casa, caiu em depressão: o que faria com aquele dinheiro? Havia perdido tudo de bom que realmente tinha. A esposa nunca mais voltaria. Não possuía cultura, não fazia nada no seu tempo livre. A paranóia já o havia afastado de qualquer idéia de gastar com falsos amigos. Ligou a tevê e mais uma vez viu aquelas pessoas que, como ele, deixavam-se ser exploradas pela Igreja ou por qualquer outro parasita. Teve um ataque de riso, percebendo que sua vida de nada valera. Engasgou-se com a cerveja, sentindo nojo de si mesmo. E a arma, que por tantas vezes lhe tocara a têmpora, dessa vez disparou, entre os soluços de Juliano.

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Fahra Abdula (conto mote Tcheckov)

Posted by epifabiconia em junho 27, 2008

SETE PRETO!

 

– A pobreza está na alma de cada um.

Estas foram as últimas palavras de meu pai.

A pobreza não estava na alma, estava em nossos bolsos e naquela casa velha e poeirenta, naquele armário sem roupa e na geladeira sem comida. A pobreza estava na morte daquele pai moribundo, jogado no corredor de um hospital qualquer. Mas o velho nunca entendera. Se contentou a vida toda com o trabalhinho medíocre, com as idas à igreja todo o domingo e com aquelas tardes chatas lendo sua enorme montanha de livros. Com conseguia ser feliz?

Segui o meu caminho, sem o último parente que me restava. Os dias, que eram cinzentos e sem graça, passaram a um breu mórbido assustador. Nada me animava, aquelas pessoas me irritavam cada vez mais, o meu chefe rabugento e a sua lojinha ridícula me causavam náuseas.

Nas horas em que não estava sendo explorado por ele, ficava em casa remoendo todas as lembranças tristes. Queria esquecer o abandono de minha mãe, o pai morto, a falta de amigos, de brinquedos, queria apagar tudo isso da minha mente.

Era noite, e caminhei até a casa do meu chefe. Eles tinham viajado para a praia, e eu sabia que aquele muquirana guardava muito dinheiro. Abri a porta com um canivete, muito silenciosamente para nenhum vizinho despertar. Procurei por todo lado e claro! Lá estava, embaixo do colchão. Levei tudo e sumi.

Fui para Los Angeles, a cidade dos meus sonhos. Aluguei um quartinho, comprei roupas novas que me deixaram com um aspecto diferente.

Comecei a freqüentar os cassinos mais badalados, queria conhecer pessoas diferentes, ricas. Iniciei com lances pequenos. Mas eu tinha sorte! Quase sempre ganhava e via a admiração nos rostos de todos. Apostava cada vez mais.

Tudo ali me encantava, ficava alucinado com as mulheres cobertas de diamantes que ofuscavam a minha visão, os homens com o peito estufado, conversando sobre a bolsa e apostas milionárias, o champanhe borbulhante e os charutos cubanos. Tudo isso tinha cheiro, tinha gosto, fazia os meus olhos brilharem. Tudo marcava a diferença entre o antes e o agora. Ali eu me encontrava e seria feliz.

Acordava tarde, comia algo na rua e corria para o cassino louco por mais um dia de alegria.

Certo dia, o olhar de Mirela se cruzou com o meu. Foi mágico. Ela era linda, mais linda que todas as outras que andavam por ali, mais linda que tudo que havia visto. Tinha um ar altivo, mas humilde, trajava roupas finas, que ao mesmo tempo transpareciam a sua simplicidade e bom gosto. Parecia flutuar em vez de andar e, a cada pestanejar ou sorriso, eu me encantava mais e mais. Ela também olhava para mim, de soslaio, para não chamar a atenção do barrigudo que a acompanhava.

Agora tinha mais um motivo para voltar todas as noites ao cassino: Mirela.

Logo arranjei um pretexto bobo para me aproximar dela. Os olhares se tornaram mais intensos, trocamos duas, três, quatro palavras, depois encontros furtivos em cantos escondidos, até que ela foi parar em meu quarto. Foram as noites mais perfeitas da minha vida, momentos inesquecíveis, era tudo que sempre procurei. Um dia perguntei qual a relação dela com o homem que a acompanhava. Era seu pai, e ele não poderia jamais saber de nós dois. Queria alguém com futuro para sua filha, e eu não alcançaria jamais os requisitos de bom partido. Mas isso não me importava, era apenas um detalhe, poderia ganhar uma grande quantia no jogo e fugir com Mirela. Nunca saberiam onde estávamos e viveríamos ricos e felizes para sempre. Ela não concordava com as minhas idéias de riqueza e soberba, me dizia que eu deveria arranjar um trabalho e construir uma vida honesta, só dessa maneira ela ficaria do meu lado. A principio eu não dava ouvidos, achava que ela, por ter sido rica a vida toda, pensava que arrumar um trabalho e uma vida honesta era a coisa mais simples do mundo. E sempre que ela falava desse jeito, lembrava de meu pai e das suas idéias medíocres. Mas pouco a pouco, fui me deixando levar pela sua maneira simples e pelo seu jeitinho de menina. Cogitei a hipótese de trabalhar e de deixar a vida no cassino.

Os dias seguiram, os encontros eram cada vez mais freqüentes. Promessas de amor entrecortadas por apostas mais arriscadas. Estava ganhando muito dinheiro. Eu dava a Mirela jóias, pefumes, levava-a às lojas mais caras e percebia o brilho no seu olhar. Por mais humilde que fosse, nenhuma mulher resistiria a tanto luxo e conforto.

Milhares de olhares sobre mim, eu suando frio, os outros apostadores também. Senti, logo pela manhã, que naquele dia tudo iria mudar. Daria o golpe de misericórdia, ganharia muito, muito, muito dinheiro.

Mudaria a minha vida para sempre e levaria o meu amor comigo. Nunca mais pisaria no cassino, apesar dos momentos bons que me proporcionara. Eu sabia que, se eu continuasse, a sorte poderia mudar e eu perderia tudo que conquistara.

Sete preto. A aposta da minha vida. Passaram-se milhões de anos enquanto aquela roleta girava, girava, girava. As minhas mãos estavam frias, o meu coração pulsava, minha cabeça chegou a doer de tanta ansiedade.

– Sete preto!!!

– Sete preto, é meu, sou eu!!!!!!

Ganhei, ganhei, não tinha palavras, a emoção tomou conta de mim, eu pulava, gritava, abraçava todos a minha volta. Voltei vinte anos e me vi pequeno e triste, olhando para os brinquedos dos outros meninos, sem poder tocar. Agora eu tinha, eu podia! Desejei que o meu pai voltasse, daria a ele uma vida nova. E a minha mãe? Ficaria arrependida de ter ido embora, se soubesse que é mãe do mais novo milionário da cidade. Um milhão de dólares, não sei nem contar esse dinheiro, não consigo imaginá-lo.

Mirela. Precisava encontrá-la, onde estava que não me viu ganhar? Agora sim, agora sim! Era um homem completo, tenho a mulher e a vida com que sempre sonhei. Vamos viajar, conhecer todo o mundo, gastar e gastar, criar os nossos filhos com o máximo de conforto e dar a eles tudo que sempre desejei, mas nunca tive.

Ali está, com o pai. A hora é agora, vou me apresentar, dizer que acabo de ganhar um milhão, que quero a mão de sua filha e ele que se dane se não concordar. Sou rico! Posso tudo!

Os dois estavam numa conversa animada, nem me viram chegar. Ela estava feliz, com certeza já sabia que o seu amor estava milionário.

– Viu como o meu palpite estava certo? Esse vai ser o melhor golpe de nossas vidas!

– Agora é só casar com o babaca, fazer o meu papel de esposa maravilhosa, e oops! Ele morre tomando vinho, e nós?! Vivemos felizes para sempre!

– Um brinde ao seu futuro marido Mirela, e que venham muitos mais.

– Um brinde papai!

Os dois riram com prazer e se beijaram. Beijaram. Os dois se beijaram. Não eram pai e filha, não eram ricos, ela não me amava e me achava um otário.

Mesmo com as minhas roupas caras, mesmo com um milhão no bolso, ela me achava um otário e queria me matar. Como não percebi? Estava ali, o tempo todo, na minha cara, as evidências praticamente gritavam para que eu percebesse que era uma farsa.

A mulher que eu idolatrava, que eu amava, a mulher que eu cuidaria pelo resto da minha vida, que faria feliz, a mulher com quem eu realizaria todos os meus sonhos. Ela que me permitiu esquecer aquele passado.

Eu estava rico, mas mais pobre do que nunca. Em uma pobreza pior que a de antes, me corroia por dentro. Eu olhava em volta e tudo me causava náuseas, aqueles cheiros me enjoavam, e aquelas pessoas pareciam de plástico, falsas, irreais. Me lembrei de meu pai, com a sua cara adoentada, mas feliz, sentado em seu cadeirão velho lendo milhares de livros. Me lembrei que tudo nesse tempo era ensolarado, que as pessoas sorriam na rua, com sorrisos verdadeiros. Éramos todos iguais, éramos todos pobres, eram todos felizes. Menos eu. Nunca fui e nunca serei.

Caminhei meio zonzo para fora do cassino, joguei o cheque e ele foi voando por aí. Entrei no meu quartinho e me enforquei. Morri, como o meu pai moribundo, jogado no corredor de um hospital qualquer.

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Tais Medici (mudança de ponto de vista)

Posted by epifabiconia em junho 20, 2008

A velha partida

Meus olhos já estavam velhos, cansados dessa vida. Mas, apesar de todos esses anos, eu ainda enxergava bem, muito bem. E, ao olhar para meu neto, o que eu via era um jovem com um longo caminho a trilhar, mas aflito, sem uma direção.

Cedo ficara órfão, e assim, aos meus cuidados. Queria proteger-lhe de tudo que pudesse representar algum mal, ou que desviasse sua boa conduta. Zelava por esse rapaz a cada minuto. Nunca deixei lhe faltar um conselho, um carinho, uma refeição, remédios e beijos de boa noite.
Pensava estar fazendo a coisa certa, até que ele me disse, meio sem jeito, que estava partindo para uma viagem. Não mencionou quando partiria e quando voltaria, muito menos o seu destino. Algo me dizia que era uma partida para sempre. Desde então, não consegui relaxar.

Sentava, levantava, caminhava agitada pela casa. Procurei meu neto pelos cômodos. Encontrei-o fazendo as malas no quarto. Pé por pé, me aproximei e toquei seu ombro direito, em sinal de carinho. Ele sentiu-se incomodado com esse gesto. Mirei profundamente seus olhos, com ternura. Não havia nada para dizer. Terminei de arrumar a mala. Posicionei cuidadosamente as peças de roupa, as meias, calçados, cada pertence. Não os veria mais.

Com o resto de orgulho que me restava, saí da peça antes que lágrimas de tristeza e de angústia caíssem pelo meu rosto. A cada minuto, sabia que nossa convivência estava terminando. Nova angústia dentro do peito. Novamente fui até seu quarto. Abri a porta e vi o jovem deitado. Arrisquei perguntar se estava acordado. Me aproximei mais e suavemente o cobri com o edredom. Dei-lhe um costumeiro beijo de boa noite e deixei-lhe só.

Enquanto terminava meus afazeres na cozinha, pensava se o menino, que eu criara desde bebê, me abandonaria desse jeito. Sem ter para onde ir, sem festinha de despedida, sem palavras bonitas de agradecimento para a avó. Ele não sabia demonstrar sentimentos muito bem. Se é que tinha algum.

A escuridão tomava conta da noite. Apesar das altas horas, não tinha sono. Deitada na cama, remexia-me sempre. Ao fechar os olhos, via a imagem da bela criança que meu neto era, e do adolescente em que se transformara. Por outro lado, poderia ser hora mesmo de ele ter seu próprio espaço. E, com esse ultimo pensamento, adormeci.

Perto do raiar do sol, acordei com o som de passos pelo corredor. Hesitei um momento: levantar ou não. Decidi-me pela primeira. Ainda envolta pelos edredons, caminhei lentamente até a porta e o vi parado ali. Parado como que esperando que eu aparecesse. Senti um ímpeto de abraçar-lhe bem forte, mas não o fiz. Ele veio até mim, beijou minha testa e deu um leve sorriso.

Olhou rapidamente a casa onde morara por tanto tempo e virou-se para sair. Nesse momento, lançou um olhar para a mesa da cozinha. A mesa que eu preparara com a nossa toalha branca (toalha dos aniversários, como eu chamava), na esperança de ter um último café da manhã com meu neto.

Nessa hora deixei as lágrimas caírem livres, pois não era apenas a data de sua partida.

(Texto baseado no conto A Partida, de Osman Lins)

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Ariel Oliveira (artigo de opinião)

Posted by epifabiconia em junho 20, 2008

A COPA DO MUNDO É NOSSA?

Pronto. Tudo com que todo brasileiro sempre sonhou. 2014, uma nova copa no Brasil. O país pentacampeão espera pelo hexa (ou hepta, já que até lá ainda teremos a copa de 2010) em casa. Ou mesmo no estádio. De qualquer forma, perto de nós, bem mais acessível que no exterior. Torceremos pela nossa seleção, em nosso país: A copa do mundo é nossa!

Mas, será?

Inegável a alegria do povo com o futebol. Não que os brasileiros normalmente se importem muito com questões sociais, políticas ou econômicas, mas todos os anos, a pouca atenção dedicada a esses assuntos é desviada. Pelo carnaval, obviamente, mas ainda mais pelo futebol. Entre campeonatos estaduais, amistosos e o brasileirão, todos os temas realmente importantes perdem força.

Em se tratando da seleção, o desvio de atenção é ainda maior. O dobro da alienação durante as Olimpíadas (“único título que falta ao futebol brasileiro” acrescentariam alguns) e o triplo em Copas. Alguém mais acha que não é simples coincidência que as eleições aqui coincidam com os anos dos dois maiores eventos esportivos mundiais? Não, não é coincidência.

O governo dará muito dinheiro para a infra-estrutura esportiva brasileira, para não passarmos vergonha aos olhos mundiais. Fato que se torna alarmante: bem na época em que os políticos terão mais dinheiro em suas mãos, a atenção do povo estará inteiramente focada no futebol. Bilhões de dólares, supostamente dedicados a construção e melhorias de estádios, aparelhos, aeroportos, hospitais, entre outros; bilhões de dólares, dos quais talvez a metade (sendo otimista) seja propriamente utilizada. E enquanto isso, a única preocupação do povo é qual jogador o técnico vai escalar para qual partida. Desse jeito, a copa não é nossa, é dos corruptos.

“Faça sua parte!”, convidou Frank Damasceno em sua coluna dessa quinta-feira. Estabeleçamos primeiro qual a parte de cada um nisso tudo. Fechar os olhos, olhar para o lado, fingir que não vê (ou realmente, não ver)? Elevarmos o futebol acima de tudo, em detrimento da política, da sociedade, do País? Ou deixarmos a fantasia do futebol de lado uma vez na vida (no caso do Brasil, uma vez na História) e pensarmos no País pra variar?

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Leila Correa (crônica)

Posted by epifabiconia em junho 20, 2008

OITO E QUINZE
Oito horas e quinze minutos da manhã. Esse era o horário que os relógios marcavam em Hiroshima quando a primeira bomba atômica explodiu, em 6 de agosto de 1945. Ao todo, 210 mil mortos e um número incalculável de feridos.

Oito horas e quinze minutos da manhã de um dia qualquer. Saio de casa e, antes mesmo de virar a esquina, vejo meninos pedindo dinheiro na rua.

Oito horas e quinze minutos. Escuto uma freada de carro. Urros e vozes masculinas discutindo para achar o culpado do acidente que causa um congestionamento de muitos quilômetros.

Oito horas e quinze minutos. Uma menina de apenas 14 anos joga-se da janela do seu apartamento, a 20 metros do chão. A multidão observa curiosa, e alguém chama uma ambulância.

Oito horas e quinze minutos. Um casal de namorados discute. A mulher chora, desespera-se. O homem a acusa, grita palavras rudes.

Oito horas e quinze minutos. Uma jovem esbarra em um senhor, que ignora seu pedido de desculpas e reclama da falta de educação desses adolescentes. O sorriso dela transforma-se rapidamente em um olhar cheio de rancor.

Oito horas e quinze minutos. Acontece o tempo todo, todos os dias.

As crianças aprendem no colégio a história da Segunda Guerra Mundial, mas raramente refletem sobre ela. Não pensam nas reais causas da guerra, em como foi possível tamanha desumanidade. Não pensam na aproximação dos horrores cometidos em tempos difíceis com os pequenos atos de grosseria que exercemos todos os dias. Não só as crianças não pensam nisso, como os adultos também não.

Jogar a bomba sobre o Japão, forçando o país a se render, é a catarse de um processo muito maior. É o resultado final da falta de preocupação com os outros. Se não achamos um absurdo fechar o vidro do carro no sinal, para não termos que olhar os moradores de rua, como podemos julgar um país que mata milhões de pessoas inocentes por um motivo besta? No fim das contas, tem tudo a mesma lógica.

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Rafael Peck (artigo de opinião)

Posted by epifabiconia em junho 20, 2008

PRA FRENTE BRASIL!

O brasileiro não desiste nunca. Até mesmo ao dizer, como Frank Damasceno em uma coluna de Zero Hora, que a copa de 2014 será um marco positivo para nosso país. Será ao contrário, um fracasso nacional. Não por corpo mole dos trabalhadores que não completarão o cronograma de construção dos estádios, mas sim pelo show de roubalheira de nossos políticos.

Desde o anúncio de outubro de 2007, estamos com medo de que a Copa se torne um pretexto para a prática do maior esporte nacional, a corrupção. Até 2014 deveremos construir hospitais, aeroportos, rodovias e estádios que, nunca em 500 anos, vimos em solo tupiniquim. Essa vontade repentina de revolucionar o país nos remete à certeza de que muito dinheiro será investido e também escoado pelo ralo podre e gigante das contas suíças, assim como no Pan do Rio que bateu recorde de desvio de verbas. O pior é que a herança disso tudo será um comprometimento financeiro maior que a construção de Brasília. A usurpação indevida levará à necessidade de empréstimos internacionais que aumentarão uma dívida externa impagável.

Essa ladroagem tem como ícone o maior expoente dos escândalos esportivos e que por coincidência também é aquele que mais torceu para que fôssemos sede do evento: Ricardo Teixeira. Nepotista de carteirinha, sempre usou seu cargo para favorecimento pessoal. Usando os recursos da CBF, onde é reeleito presidente há intermináveis quatro mandatos, patrocinou idas de magistrados à Copa na França, importou chopeiras dos Estados Unidos e lesou jogadores em contratos maliciosos com a marca de tênis Nike. No campo da política eleitoreira, entrou de cabeça no Congresso Nacional bancando candidaturas de dirigentes de clubes de futebol a fim de constituir uma bancada alinhada com seus interesses. Esse esquema foi batizado de “bancada da bola” o que assegurou sua permanência por dezoito anos na presidência. Como dizer que a participação ativa de Teixeira e de seus comparsas não acarretará a busca por dinheiro fácil e sujo?

Certamente a Copa no Brasil será uma vergonha não pelo desempenho da seleção, mas sim pela impossibilidade de controlarmos o quanto de dinheiro será usado para alimentar a sede de corrupção de nossos políticos, que é insaciável, e que comprometerá, ao contrário do que pensam, ainda mais a imagem do país lá fora.

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Henrique Casagranda (crônica)

Posted by epifabiconia em junho 18, 2008

ANALÓGICO OU DIGITAL?

Tenho um sério problema com relógios analógicos: não consigo entendê-los. Por diversas vezes, quando me perguntam se tenho horas, paro um instante, frente-a-frente com aquele ser esquisito, e tento desesperadamente interpretá-lo. Talvez não seja uma tarefa muito difícil, mas o fato é que não sou tão habilidoso com os ponteiros. É necessário identificar primeiro qual representa as horas, qual representa os minutos e qual representa os segundos. Depois, preciso me concentrar em medir a distância entre os ponteiros e os números que estão mais próximos para informar a hora certa e não adiantar ou talvez atrasar o sujeito. Aí é só cruzar os dados e pronto, já sei que horas são. Mas nem sempre os números estão escritos, o que pode dificultar ainda mais essa árdua tarefa.

As pessoas normalmente ficam impacientes com a minha demora em responder. Hoje em dia, tempo é dinheiro e ninguém quer desperdiçar o seu. Por isso, prefiro relógios digitais. Com eles, em questão de segundos, já sei informar com precisão o horário correto. O relógio do computador é o melhor exemplo de praticidade em relógios digitais. É fantástico, ele se ajusta automaticamente ao horário de verão!

Acredito que essa seja a finalidade da tecnologia no mundo moderno: facilitar a nós, usuários, a execução de tarefas corriqueiras no dia-a-dia. Dessa forma, sobra mais tempo para nos dedicarmos a outros fins. Difícil mesmo é decidir o que fazer com o tempo que nos sobra. Entretanto, na minha situação, os relógios analógicos acabam causando o contrário. Mas analisando melhor essa situação constrangedora com o relógio de ponteiros, percebo que, na realidade, analógico sou eu, que ainda não descobri uma forma mais rápida de decifrá-lo.

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Bruna Meneghetti (mote Tcheckov)

Posted by epifabiconia em junho 18, 2008

LUCIDEZ

Jack e eu éramos amigos há anos. Costumávamos matar aula juntos desde os nove anos de idade. Aos quinze, fugíamos de casa à noite para ficar na esquina de uma rua muito movimentada, bebendo uísque, rindo. Durante anos fomos companheiros inseparáveis. Hoje vejo que não passávamos de dois jovens estúpidos e inconseqüentes. Levei anos para admitir isso, porém, me sinto um pouco envergonhado ao dizer que não me arrependo de nossas loucuras.

No dia de meu aniversário de 18 anos, Jack, eu e uns amigos combinamos de sair da escola e ir comemorar em algum lugar. Idéia do Jack. A maioria das coisas que fazíamos eram idéias do Jack. Por mais que, às vezes, eu as achasse meio perigosas. Ele me encorajava. Eu o admirava. Queria ser como ele.
Estávamos ansiosos para chegar ao bar de que tanto ouvíamos falar. Ouvíamos ELE falar. Todos nós sabíamos que o lugar era “barra-pesada”. Meu melhor amigo disse que tinha uma surpresa. Descemos de meu carro e parecíamos nos dirigir a outro mundo. Percorri com os olhos o estabelecimento. Paredes escurecidas, manchas de sangue, pessoas mal-encaradas. Eu estava pasmado. Era o underground. E nós, jovens de classe alta e discernimento baixo.

A primeira coisa que fizemos, depois de sentar e pedir doses de uísque, foi colocar umas moedas naquelas máquinas caça-níqueis. Ganhamos. Repetimos a aposta. Novo êxito. Depois de algumas jogadas, e tendo muito dinheiro no bolso, Jack anunciou que era hora de revelar a surpresa. Choque. Ele tirara do bolso meia dúzia de pequenos pacotinhos brancos. Eu sabia o que era, já tinha visto muita gente cheirando. Estava receoso, mas curioso. Jack, como sempre rindo, chamou-me de estraga-prazeres quando me mostrei hesitante. Eu sentia um misto de emoções. Medo e uma vontade louca de ver como era. Excitação e apreensão. Eu queria cheirar. E era incitado pelo grupo, principalmente por Jack.

Passamos a noite lá, cheirando e bebendo como loucos. O dinheiro? Nunca foi problema para nós. Menos ainda quando descobrimos o quão divertido e arriscado era apostar. Ora ganhávamos muito, ora perdíamos tudo. Não tínhamos problemas e, muito menos, responsabilidade. Depois daquele dia, nada mais tinha graça sem aquele pó branco, que parecia dominar Jack e, confesso, a mim.

Jogávamos em cassinos, bingos, máquinas caça-níqueis, sempre querendo ganhar mais e mais, e cheirar mais e mais. Todo dinheiro que tínhamos era gasto em cocaína, ou em mais jogos. Os amigos não queriam mais andar conosco. Alertavam-nos sobre como estávamos agindo estranho. Eu quase não dormia. Qualquer coisa me deixava irritado. Ficava muito agitado, não conversava mais com minha família. Aliás, meus pais e irmãos não percebiam nada; para eles, só dinheiro e negócios eram levados em consideração. Eu acreditava que todos estavam contra nós apenas por ciúme de minha amizade com Jack. Não enxergava que estávamos viciados. Em cocaína, festas, jogos. Eu era totalmente dependente dele. Não fazia nada sozinho. Era quase uma obsessão.

Tinha a impressão de que era tudo normal. “Aproveitar a vida” era só o que passava na minha cabeça. Só ao lado de Jack conseguiria aproveitar da maneira certa. A droga acaba com a noção da realidade de algumas pessoas. Acabou com a nossa. Chegamos ao ponto de não falar com mais ninguém além de um com o outro. Anos se passaram e mantivemos aquele ritmo frenético, sem medo das conseqüências. Com vinte e um anos resolvemos viajar, nada mais nos atraía naquela cidade, tudo nos entediava, e Las Vegas era muito próxima. Imaginávamos aqueles cassinos luxuosos, pessoas diferentes, dinheiro fácil e, com isso, toda a droga que quiséssemos. A animação quase tomava conta de nós, só não o fazia por um detalhe: a cocaína é que tomava.

Nos primeiros dias, foi tudo como imaginamos. As festas iam até o amanhecer, regadas a muita bebida, drogas, gente alucinada. No quarto de hotel, tudo estava jogado no chão; e bebidas, derramadas por todos os lados. Durante um mês vivendo no caos, resolvemos partir para o “tudo ou nada”. Apostas altíssimas em que se pode ganhar toda a mesa ou perder tudo. Cada um fez seu jogo. Apostamos uma quantia absurda e esperamos o resultado. Inacreditável. Jack ganhara. Uma quantia mais absurda ainda. Um milhão de dólares. Fomos comemorar!

Depois de umas garrafas de uísque, Jack balbuciou algo inaudível e se retirou. Eu sentia que havia algo estranho com ele. Naquela noite eu não conseguia fazer nada, estava anestesiado pelo álcool e perturbado pelas drogas. Na manhã seguinte, quando cheguei ao quarto do hotel, encontrei algo de que nunca me esquecerei. O corpo de Jack. Ao seu lado uma garrafa de uísque, de uma arma e de uma carta. Das palavras nela contidas já não me recordo muito bem, mas uma frase escrita por ele antes de tomar aquela decisão me vem na cabeça sempre que lembro minha fase rebelde: “não quero mais continuar nessa vida sem sentido, seus lunáticos…”. Fiquei indignado. Como ele pôde? Acabar com a própria vida e me deixar! Sem rumo, sem amigo, drogado e abandonado! Ele tivera o momento de lucidez de sua vida, escrevera as palavras que eu precisava ler e, uma vez ao menos, ajudou-me a reconhecer que passara dos limites. Eu queria viver. E só poderia fazê-lo acabando com aquilo tudo.

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Renata Ramisch (dissertação)

Posted by epifabiconia em junho 6, 2008

SOBRE A IMPORTÂNCIA DO MEDO

 

Vitor Negrete era um montanhista experiente. Ele sabia o que é escalar uma montanha de mais de 8800 metros no ar rarefeito: respiração acelerada, dificuldade de manter-se aquecido, inchaço do cérebro, desidratação, dores de cabeça, raciocínio lento. Diante de todos esses empecilhos, por que Negrete aceitou a tarefa de chegar ao cume do Everest sem oxigênio suplementar? Porque superou o limite do medo.

Segundo o dicionário, o medo é um sentimento de grande inquietação ante um perigo, é uma sensação que nos deixa em alerta. Visto por muitos como um mal, ele é, na verdade, o principal responsável por nos manter vivos. É ele que nos impede de atravessar uma avenida movimentada sem olhar para os lados, de tentar enfrentar um assaltante armado, de atingir os limites da segurança. Se o ser humano conseguisse se livrar de todos os seus receios, estaria morto.

Exemplos como o de Vitor Negrete não são incomuns. É grande a quantidade de aventureiros que perdem a vida tentando vencer seus obstáculos. Eles ultrapassam a barreira do medo, saem do estado de alerta e perdem a atenção nos detalhes que podem salvar uma vida. Um nó mal-feito ou um gancho desengatado, por exemplo, são fatais numa escalada. É o receio de falhas que leva um montanhista a conferir seus equipamentos várias vezes e a perceber quando não está preparado para uma nova aventura. Vitor foi ousado e por isso não retornou da montanha gelada.

Ao contrário do que se diz, o medo não é um inimigo, mas um grande aliado. Ele nos mantém vivos. É uma sensação saudável e necessária. Não é preciso deixar de correr riscos ou de aceitar desafios, pois o medo não deve assumir o controle. O importante é sempre sentir aquela sensação de alerta que nos impede de chegar um pouco mais perto da beirada do precipício.

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